Um livro é um mudo que fala, um surdo que responde, um cego que guia, um morto que vive. (Padre Antônio Vieira)

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Encontro

Galera, fui no banheiro dar uma cagada e o diabo apareceu pra mim, me perguntou se estaríamos dispostos a vender a alma pra ele em troca de sucesso pra banda, ele prometeu que nos faria astros do rock'n'roll, falei pra ele que iria conversar com vocês e depois mandaria um email pra ele pra negociar o caso, o que vocês acham da proposta? Sei que tá todo mundo muito ocupado com faculdade, trabalho e etc...mas de repente acho que a gente pode dar uma pensada na situação.

Caso vocês tenham alguma dúvida sobre as cláusula do contrato podem entrar em contato direto com o coisa-ruim segue o mail do cara diabo@inferno.org, ele me disse que olha a caixa toda a hora e que recebe as mensagens no I-phone, por isso está sempre atento.

Convidei ele pra assistir o nosso show hoje, e ele me disse que talvez dê uma passada lá hoje, mas não deu certeza por que está numa correria infernal de final de ano, mas me disse que a qualidade do som pouco importa pra ele, e sim a atitude.

Depois disso deu uma risada diabólica, e sumiu numa nuvem de fumaça de enxofre, pior que todo mundo ficou me olhando depois que eu saí do banheiro, pensando que eu peidava fumaça....foda.

Bom, era isso, tá dado o recado.

Até de noite!!
 
l. manzoni

terça-feira, 18 de junho de 2013

Smartphones podem estar nos tornando mais "burros"

Muito tempo atrás, alguns escritores decidiam morar em lugares afastados para bloquear o mundo exterior e se concentrar na página em branco. Hoje, está ficando cada vez mais difícil manter o mundo tecnológico à distância. Alguns desses retiros para artistas permitiram o acesso sem fio aos estúdios, enquanto outros, como Yaddo e MacDowell, limitam a capacidade de acesso à internet em suas bibliotecas.

"As pessoas às vezes se surpreendem com sua própria reação quando ficam off-line", disse ao "Times" David Macy, diretor e residente da colônia artística MacDowell. "Eu acho que há até um nome médico para isso -ou talvez seja o nome do [jornal satírico] 'The Onion'-: 'ansiedade provocada por não estar em um hot spot sem fio'."

Alguns escritores instalaram programas de software como Freedom e SelfControl para tentar limitar a navegação na internet. O romancista americano Jonathan Franzen retirou o cartão sem fio de seu computador, colocou o cabo de rede no lugar e depois cortou o cabo, transformando o computador em uma máquina de escrever livre de internet, relatou o "Times".

O objetivo de minimizar as distrações é mais que nobre. As interrupções nos tornam menos inteligentes, segundo pesquisa do Laboratório de Integração Humana-Computador da Universidade Carnegie Mellon em Pittsburgh, na Pensilvânia.

Os pesquisadores de lá decidiram medir o poder cerebral perdido quando alguém é interrompido por um telefonema ou por um e-mail, relataram no "Times" os autores Bob Sullivan e Hugh Thompson. Quando os sujeitos eram informados de que deviam esperar uma distração e eram interrompidos durante um teste, se saíam muito pior que os sujeitos que eram deixados à vontade. O grupo distraído/interrompido respondeu corretamente em 20% menos ocasiões que o grupo não interrompido.

"Existem evidências de que não somos tão viciados em novas mensagens de texto", escreveram. "Na verdade, elas também nos roubam energia cerebral."

O problema de monitorar um telefone celular e caminhar sem tropeçar nas coisas é algo que o Google esperava solucionar ao fazer o Glass. Outras empresas também estão facilitando o uso do telefone junto com outras atividades, relataram no "Times" os psicólogos Daniel J. Simons e Christopher F. Chabris. Em abril, a Chevrolet anunciou sua "integração sem olhos e sem mãos" com a interface de comando de voz Siri do iPhone.

Essas tecnologias parecem soluções ideais, permitindo que você interaja com seu smartphone enquanto continua alerta para o entorno. Mas o cérebro não funciona assim.

"O problema é que olhar não é a mesma coisa que ver", escreveram Simons e Chabris, "e as pessoas fazem suposições erradas sobre o que vai chamar sua atenção."

Experimentos mostraram que as pessoas deixam de notar coisas tão óbvias quanto alguém vestido de gorila quando sua atenção é distraída. "Pesquisadores usando dispositivos de rastreamento de olhos descobriram que as pessoas podem não ver a roupa de gorila mesmo quando olham diretamente para ela", disseram Simon e Chabris. "Esse fenômeno de 'cegueira desatencional' mostra que o que vemos depende não apenas de para onde olhamos, mas também de como focalizamos a atenção."

Poucos autores abandonariam a capacidade de pesquisa que a internet oferece. A era da computação "usável" já chegou, mas a nova tecnologia está evoluindo mais depressa que nossa capacidade de administrá-la.

"O Google Glass pode permitir que os usuários façam coisas incríveis", escreveram Simon e Chabris, "mas não elimina os limites da capacidade humana de prestar atenção."


http://www1.folha.uol.com.br/tec/2013/06/1296918-smartphones-podem-estar-nos-tornando-mais-burros.shtml

quarta-feira, 12 de junho de 2013

A maconha e a música

Quem nasceu primeiro: a Purple Haze para cantar ou a Purple Haze para fumar? Embora não tenha sido feita para a erva, a música de Jimi Hendrix é um dos maiores odes à maconha, dando nome até a uma de suas variantes -- ou o contrário.

À parte a ordem questionável, a biografia 'Jimi Hendrix: Electric Gypsy' confirma a história da origem da canção. O livro também atesta que o cafuzo deus da guitarra era um costumeiro usuário de entorpecentes.

O quanto o uso de drogas influenciou sua obra, ao contrário, não pode ser medido. No caso da mais célebre delas, a maconha, pouco se sabe a respeito de seus efeitos na criatividade do artista e do ser humano.

"A maconha é uma mistura enorme de substâncias. Umas são conhecias, outras não. A gente não tem uma noção de toda sua abrangência", diz Dartiu Xavier, psiquiatra e professor doutor da Universidade Federal do Estado de São Paulo (UNIFESP).

Para o médico, poucos estudos ratificam a influência da cannabis no processo de criação do cérebro. "A pessoa pode se sentir mais livre, menos ansiosa, mas não há alteração na sua criatividade", diz ele.

João Menezes, doutor em neurobiologia e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), vai além quanto ao consumo da planta. "Você sincroniza coisas que normalmente você não sincronizaria. Isso dá um efeito pro artista que é o de criatividade, novas ideias. É a base daquele 'ih, viajou!'".

O especialista aprofunda mais sua análise. "Pra música isso é muito rico, dependendo do treinamento do músico. Pessoas que trabalham nessa área relatam que aumenta a criativade. Eu brinco que dá tempo pra você escutar os pensamentos", argumenta ele.

Mais ou menos criativo, o cérebro humano tem uma resposta padrão à maconha fruto de anos de evolução. Trata-se de um processo iniciado na ingestão dos princípios ativos da planta, especialmente o THC e o CBD.

Os compostos são neurotransmissores. Eles funcionam como pontes que enviam informações entre as células nervosas -- os neurônios. Contato feito, atividade celular alterada, efeitos da maconha alcançados.

A ligação entre substâncias e células só é possível por conta dos receptores endocanabinóides. A maconha seria indiferente ao cérebro humano caso eles não existissem. Tais como adaptadores USB, são eles que fecham o circuito na troca de dados (ou efeitos) entre planta e homem.

Eles não são poucos. Menezes elenca alguns além das conexões incomuns de ideias. "Mudança da passagem do tempo, aumento dos estímulos sensoriais, aumento do foco da atenção e distúrbio na memória de curta duração", diz o pesquisador.

A conta, entretanto, não é exata. "Tem umas espécies da planta que aumentam sua coordenação e sua vontade de fazer as coisas; dão muito mais fome. Tem outras que acalmam, te entorpecem, te põem pra dormir", afirma o especialista.

Não só por conta do tipo, as influências da maconha existem em função de fatores que vão do biotipo de quem a consome à forma de ingestão, passando pela quantidade e duração de absorção, afirma Menezes.

Da mesma maneira resultam os problemas do seu consumo. "A maioria dos efeitos negativos tem a ver com o uso muito precóce, numa fase em que o cérebro esta em desenvolvimento. A maconha é uma droga relativamente segura no adulto", diz o psiquiatra Dartiu Xavier.

O médico concorda com Menezes que os estudos sobre a cannabis ainda são novos dentro da comunidade científica. "Se eu soubesse como a maconha funciona no cérebro com perfeição eu estaria rico e famoso", brinca o professor da UFRJ.

Os fatos conhecidos até então permitem dizer que o consumo de maconha altera os processos criativos. Contudo, se não há garantia de se tornar o estereótipo letárgico propagado pela crença popular, tampouco haverá um novo Jimi Hendrix por causa da erva.


http://mtv.uol.com.br/musica/a-maconha-afeta-o-poder-de-criacao-musical?utm_source=redesabril_mtv&utm_medium=twitter&utm_campaign=redesabril_mtv1

sexta-feira, 7 de junho de 2013

quinta-feira, 6 de junho de 2013

O mundo dentro de si

E um dia, ao percebermos que suas ocupações são mesquinhas, que suas profissões são enrijecidas e não estão mais ligadas à vida, por que não olhar para eles como uma criança observa algo de estranho, a partir da profundeza do próprio mundo, da amplitude da própria solidão, que é ela mesma um trabalho, um cargo e uma profissão? Por que se desejaria trocar o sábio não-entendimento de uma criança pela atitude defensiva e pelo desprezo, uma vez que o não-entendimento é estar sozinho, mas a atitude defensiva e o desprezo são participações naquilo de que, com esses recursos, as pessoas querem se afastar? Pense, meu caro, no mundo que o senhor leva dentro de si, então dê a esse pensamento o nome que quiser [...] apenas preste atenção no que surge a partir de dentro e eleve-o acima de tudo o que [...] percebe em torno. Se um acontecimento mais íntimo é digno de todo o seu amor, é nesse pensamento que [...] deve trabalhar de algum modo, sem perder muito tempo nem muito esforço para esclarecer sua posição em relação aos outros homens. Quem é que lhe diz que [...] tem uma posição?

RILKE, Rainer Maria. Cartas a um jovem poeta. Tradução de Pedro Sussekind. Porto Alegre: L&PM, 2009. 96 p. ISBN 978852541566-0

Uma obra de arte é...

RILKE, Rainer Maria. Cartas a um jovem poeta. Tradução de Pedro Sussekind. Porto Alegre: L&PM, 2009. 96 p. ISBN 978852541566-0

 

Uma obra de arte é boa quando surge de uma necessidade. É no modo como ela se origina que se encontra seu valor, não há nenhum outro critério.

Obras e arte são de uma solidão infinita, e nada pode passar tão longe de alcançá-las quanto a crítica. Apenas o amor pode compreendê-las, conservá-las e ser justo em relação a elas.

Ser artista significa: não calcular nem contar; amadurecer como uma árvore que não apressa a sua seiva e permanece confiante durante as tempestades de primavera, sem o temor de que o verão não possa vir depois. Ele vem apesar de tudo. Mas só chega para os pacientes, para os que estão ali como se a eternidade se encontrasse diante deles, com toda a amplidão e serenidade, sem preocupação alguma.

Cartas a um jovem poeta

RILKE, Rainer Maria. Cartas a um jovem poeta. Tradução de Pedro Sussekind. Porto Alegre: L&PM, 2009. 96 p. ISBN 978852541566-0

 

Uma obra de arte é boa quando surge de uma necessidade. É no modo como ela se origina que se encontra seu valor, não há nenhum outro critério.

Obras e arte são de uma solidão infinita, e nada pode passar tão longe de alcançá-las quanto a crítica. Apenas o amor pode compreendê-las, conservá-las e ser justo em relação a elas.

Ser artista significa: não calcular nem contar; amadurecer como uma árvore que não apressa a sua seiva e permanece confiante durante as tempestades de primavera, sem o temor de que o verão não possa vir depois. Ele vem apesar de tudo. Mas só chega para os pacientes, para os que estão ali como se a eternidade se encontrasse diante deles, com toda a amplidão e serenidade, sem preocupação alguma.

E é disto que se trata, de viver tudo. Viva agora as perguntas. Talvez passe, gradativamente, em um belo dia, sem perceber, a viver as respostas [...] quase tudo o que é sério é difícil, e tudo é sério.

Os homens converteram até mesmo o ato de comer em uma outra coisa: carência por um lado e excesso por outro obscureceram a clareza dessa necessidade; e igualmente obscurecidas se tornaram todas as necessidades profundas e simples nas quais a vida se renova.

A ideia de ser um criador, de gerar, de formar,  não é nada sem a sua contínua e grandiosa confirmação e realização no mundo, nada sem o consenso mil vezes repetido por parte das coisas e dos animais. E só por isso o seu gozo é tão indescritivelmente belo e rico, porque é feito das recordações herdadas da geração e da gestação de milhões de seres. Em um pensamento criador revivem milhares de noites de amor esquecidas que o preenchem com altivez e elevação. Assim, aqueles que se juntam durante as noites e se entrelaçam em uma volúpia agitada fazem um trabalho sério, reúnem doçuras, profundidade e força para a canção de algum poeta vindouro que surgirá para expressar deleites indizíveis. Eles convocam o futuro; mesmo que errem e se abracem cegamente, o futuro virá apesar de tudo, um novo homem se elevará, e a partir do acaso que parece se realizar aqui desponta a lei pela qual um germe forte e resistente se lança em direção ao óvulo, que vem receptivo ao seu encontro. Não se deixe enganar pelo que é superficial; nas profundezas tudo se torna lei. Os que vivem mal e de modo falso o segredo (e são muitos) o perdem só para si mesmos, e no entanto o transmitem como uma carta fechada, sem saber.

 

 

Mas tudo o que talvez um dia ainda seja possível para muitos o solitário pode, já agora, preparar e construir com suas mãos, que erram menos. [...] ame a sua solidão e suporte a dor que ela lhe causa com belos lamentos. Pois os que são próximos [...] estão distantes [...] se o próximo está longe, então o que é distante vaga entre as estrelas, na imensidão. Alegre-se com o seu crescimento, para o qual não pode levar ninguém junto, e seja bondoso com aqueles que ficam para trás, seja seguro e tranquilo diante deles, sem perturbá-los com as suas dúvidas nem assustá-los com uma confiança ou alegria que eles não poderiam compreender.

E um dia, ao percebermos que suas ocupações são mesquinhas, que suas profissões são enrijecidas e não estão mais ligadas à vida, por que não olhar para eles como uma criança observa algo de estranho, a partir da profundeza do próprio mundo, da amplitude da própria solidão, que é ela mesma um trabalho, um cargo e uma profissão? Por que se desejaria trocar o sábio não-entendimento de uma criança pela atitude defensiva e pelo desprezo, uma vez que o não-entendimento é estar sozinho, mas a atitude defensiva e o desprezo são participações naquilo de que, com esses recursos, as pessoas querem se afastar? Pense, meu caro, no mundo que o senhor leva dentro de si, então dê a esse pensamento o nome que quiser [...] apenas preste atenção no que surge a partir de dentro e eleve-o acima de tudo o que [...] percebe em torno. Se um acontecimento mais íntimo é digno de todo o seu amor, é nesse pensamento que [...] deve trabalhar de algum modo, sem perder muito tempo nem muito esforço para esclarecer sua posição em relação aos outros homens. Quem é que lhe diz que [...] tem uma posição?

Amar também é bom: pois o amor é difícil. Ter amor, de uma pessoa por outra, talvez seja a coisa mais difícil que nos foi dada, a mais extrema, a derradeira prova e provação, o trabalho para o qual qualquer outro trabalho é apenas uma preparação. Por isso as pessoas jovens, iniciantes em tudo ainda não podem amar: precisam aprender o amor. [...] Mas o tempo de aprendizado é sempre um longo período de exclusão, de modo que o amor é por muito tempo, ao longo da vida, solidão, isolamento intenso e profundo para quem ama. O amor constitui uma oportunidade [...] para o indivíduo [...] tornar-se um mundo para si mesmo.

O que a vida deve fazer desse acúmulo de equívocos a que eles chamam de união e gostariam de chamar de sua felicidade? [...] Então cada um se perde por causa do outro e perde o outro e muitos outros quem ainda desejariam surgir. Perdem-se as vastidões e as possibilidades, troca-se a aproximação e a fuga de coisas quietas, cheias de pressentimentos, por um desespero infrutífero do qual nada mais pode resultar. [....] inclinada a considerar a vida amorosa um prazer, por isso tinha de torna-la fácil, barata, inofensiva e segura, como são os prazeres públicos. De fato muitos jovens que amam de modo falso, ou seja, simplesmente entregando-se, sem preservar a solidão (a maioria não passará nunca disso), sentem a opressão de um erro e querem, de uma maneira própria e pessoal, tornar vivida e fértil a situação em que se precipitaram [...] Como é que eles poderia encontrar uma saída em si mesmos, do fundo de sua solidão já desperdiçada, eles que se atiraram, que não se delimitam nem se diferenciam, e que portanto não possuem nada de próprio?

A menina e a mulher, em seu desdobramento novo e próprio, serão apenas de passagem imitadoras dos vícios e das virtudes masculinos e repetidoras das profissões dos homens. Depois das incertezas dessas transições, o que se revelará é que as mulheres só passaram por todos esses sucessivos disfarces [...] para purificar sua própria essência das influências deformadoras do outro sexo. As mulheres, nas quais a vida se instala e habita de modo mais imediato, frutífero e cheio de confiança, no fundo precisam ter se tornado seres humanos mais maduros, mais humanos do que o homem, pois ele não passa de um ser leviano, que é mergulhado sob a superfície da vida pelo peso de um fruto carnal, que menospreza, arrogante e apressado, aquilo que pensa amar. Essa humanidade da mulher, realizada em meio a dores e humilhações, virá à tona quando ela tiver se livrado das convenções do exclusivamente feminino nas transformações de sua situação exterior. E os homens que hoje não a sentem vir ainda, serão surpreendidos e derrotados por essa humanidade. [...] esse amor mais humano (que se realizará de modo infinitamente delicado e discreto, certo e claro, em laços atados e desatados) [...] na delimitação e saudação de duas solidões.

É necessário [...] que não experimentemos nada de estranho, mas apenas aquilo que nos pertence há muito tempo [...] vem de dentro dos homens aquilo que damos nome e destino.

Voltando ao assunto da solidão, fica cada vez mais claro que no fundo ela não é nada que se possa escolher ou abandonar. Somos solitários. É possível iludir-se a esse respeito e agir como se não fôssemos. É tudo. Muito melhor, porém, é perceber que somos solitários, e partir exatamente daí.

Mas apenas quem está pronto para tudo, quem não exclui nada, nem mesmo o mais enigmático, viverá a relação com uma outra pessoa como algo vivo e irá até o fundo de sua própria existência. Pois se pensamos a existência do indivíduo como um cômodo [...] revela-se que a maioria de nós só chega a conhecer um canto do seu quarto, um local perto da janela, uma faixa na qual se anda de lá para cá. [...] E no entanto nós não somos prisioneiros. Não há armadilhas e emboscadas armadas em torno de nós, nada que nos devesse angustiar ou perturbar. Estamos lançados na vida como no elemento ao qual correspondemos melhor, além disso nos tornamos, por meio de uma adaptação de milhares de anos, tão semelhantes a essa vida que, por um mimetismo afortunado, se nos mantivermos quietos, quase não nos diferenciaremos daquilo que nos cerca. Não temos motivo algum para desconfiar de nosso mundo, pois ele não está contra nós. Caso possua terrores, são nossos terrores [...] caso existam perigos, então precisamos aprender a amá-los [...] o que agora nos parece ser muito estranho  se tornará o que há de mais familiar e confiável.

Acredite em mim: a vida tem razão, em todos os casos.

O pensamento criador

RILKE, Rainer Maria. Cartas a um jovem poeta. Tradução de Pedro Sussekind. Porto Alegre: L&PM, 2009. 96 p. ISBN 978852541566-0


A ideia de ser um criador, de gerar, de formar,  não é nada sem a sua contínua e grandiosa confirmação e realização no mundo, nada sem o consenso mil vezes repetido por parte das coisas e dos animais. E só por isso o seu gozo é tão indescritivelmente belo e rico, porque é feito das recordações herdadas da geração e da gestação de milhões de seres. Em um pensamento criador revivem milhares de noites de amor esquecidas que o preenchem com altivez e elevação. Assim, aqueles que se juntam durante as noites e se entrelaçam em uma volúpia agitada fazem um trabalho sério, reúnem doçuras, profundidade e força para a canção de algum poeta vindouro que surgirá para expressar deleites indizíveis. Eles convocam o futuro; mesmo que errem e se abracem cegamente, o futuro virá apesar de tudo, um novo homem se elevará, e a partir do acaso que parece se realizar aqui desponta a lei pela qual um germe forte e resistente se lança em direção ao óvulo, que vem receptivo ao seu encontro. Não se deixe enganar pelo que é superficial; nas profundezas tudo se torna lei. Os que vivem mal e de modo falso o segredo (e são muitos) o perdem só para si mesmos, e no entanto o transmitem como uma carta fechada, sem saber.

quarta-feira, 5 de junho de 2013

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