Um livro é um mudo que fala, um surdo que responde, um cego que guia, um morto que vive. (Padre Antônio Vieira)

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Álvaro de Campos: Poesia

Faze as malas para Parte Nenhuma!
Embarca para a universalidade negativa de tudo
Como um grande embandeiramento de navios fingidos -
Dos navios pequenos, multicolores, da infância!
Faz as malas para o Grande Abandono!
E não esqueças, entre as escovas e a tesoura,
A distância policroma do que se não pode obter.
Faze as malas definitivamente!
Que és tu aqui, onde existes gregário e inútil -
E quanto mais útil mais inútil -
E quanto mais verdadeiro mais falso -
Que és tu aqui? que és tu aqui? que és tu aqui?
Embarca, sem malas mesmo, para ti mesmo diverso!
Que te é a terra habitada senão o que não é contigo?


Fernando Pessoa, 02/05/1933


Referência


CAMPOS, Álvaro de. Poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p. 436



quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Hargreaves: o ensino na sociedade do conhecimento

Ensinar não é um espaço para retraídos, para os suscetíveis demais, para pessoas que se sintam mais à vontade com crianças dependentes do que com adultos independentes. É um trabalho para gente grande, que exige normas de gente grande sobre como trabalhar coletivamente. p. 44

A introspecção é uma arte em extinção. Ao se deparar com momentos a sós em seus carros, nas ruas ou na fila do supermercado, cada vez menos pessoas se dedicam à reflexão, e a maioria repassa suas mensagens no celular em busca de indícios de que alguém, em algum lugar, possa precisar delas ou desejá-las. p. 56

Um grande influxo de e-mails e mensagens no celular nos faz sentir necessários, mas também exigem respostas rápidas que nos levam a reagir, em vez de nos relacionar. O teórico da gestão Charles Handy observa que, “essas comunidades virtuais até podem ser divertidas, mas criam apenas uma ilusão de intimidade e um simulacro de comunidade”. Segundo o autor, elas não constituem um substituto para sentar-se à mesa, olhar as pessoas no rosto e desenvolver conversas reais. p. 56

A chamada sociedade do conhecimento afundou os jovens em uma cultura de “virtualidade real”, em que CDs, telefones celulares, computadores, discmen, vídeo games e a TV com muitos canais passam a ser sua realidade cada vez mais dominante. No mundo da tecnologia de entretenimento digital, segundo a música de Bruce Springsteen, “existem 57 canais e nada está passando”. A sociedade do conhecimento é, de muitas maneiras, mais uma sociedade do entretenimento na qual imagens fugazes, prazer instantâneo e pensamento mínimo fazem com que “nos divirtamos até morrer”. As emoções são extraídas desse mundo sedento de tempo, em que os relacionamentos se apoucam, e reinvestidas em coisas passíveis de consumo. As propagandas associam os automóveis à paixão e ao desejo, e os telefones celulares, à estimulação e ao deleite. p. 56

Na economia do conhecimento da qual o consumidor é o centro, para a maioria das pessoas, a opção está inversamente relacionada à significação. A globalização assemelhou muito as políticas econômicas das nações desenvolvidas. O novo trabalhismo britânico se confunde com o velho conservadorismo, democratas cada vez se diferenciam menos de republicanos. A guerra deflagrada contra populações pobres gera pouca discordância. A maioria das pessoa fica com muitas escolhas, mas apenas para a cor de seus carros, as opções de telefone celular ou a cobertura da pizza. Sendo assim, grande parte da exploração do conhecimento é de natureza gasosa, em que o estilo ainda prevalece sobre a substância e em que a maioria das pessoas pode escolher apenas as coisas supérfluas da vida, em que “tudo o que é sólido se desmancha no ar”. p. 56-57.

O sociólogo norte americano Richard Sennett afirma que uma das grandes ameaças da nova sociedade do conhecimento é a natureza fundamental do caráter humano. Em seu livro provocador, A corrosão do caráter: conseqüências pessoais do trabalho no novo capitalismo, o autor examina como o caráter se concentra particularmente sobre o aspecto de longo prazo de nossa experiência emocional; ele se expressa na lealdade e no compromisso mútuo, ou por meio da busca de objetivos de longo prazo, ou ainda pela prática da gratificação posterior, para uma finalidade futura. p. 67

[...] sua mais profunda preocupação é não poder oferecer s substância de sua vida de trabalho como exemplo de como os filhos deveriam se conduzir eticamente. As qualidades do bom trabalho não são as qualidades do bom caráter. p. 69

Como proteger as relações familiares para que não sucumbam ao comportamento de curto prazo, ao reunionismo e, sobretudo, à fragilidade de lealdade e compromisso que marcam o local de trabalho moderno? p. 69

De que forma, em outras palavras, poderão elas escapar do que Christopher Lasch chamou de cultura do narcisismo, que surge de uma cultura de trabalho baseada na autopromoção, na mudança e na flexibilidade, que favorece a esperteza em detrimento da sabedoria, o rápido e o ligeiro sobre o firme e o justo, em que as crianças se tornam modelos de estilo de vida para seus pais, em vez de os pais serem exemplos morais para os filhos? p. 69

Essas convulsões tornam difícil para as famílias manter continuidades de solidariedade. Se a pressão dos salários e do tempo esgota as reservas emocionais da vida familiar, as crianças têm menos probabilidades de apreender os valores dos quais depende a sociedade como um todo. As que não aprendem confiar e como amar se transformam em adultos egoístas e agressivos. O resultado [...] é uma ordem social brutal e indiferente. p. 69

Os efeitos desestabilizadores do trabalho na economia industrial estavam relacionados à escassez, demandando longas jornadas e uma forte disposição de limitar e poupar. Na economia do conhecimento, esses efeitos desestabilizadores costumam ser de abundância. Como diz Ignatieff, “a abundância transforma a economia moral de uma sociedade ao favorecer valores baseados no consumir, em detrimento do poupar. p. 69

Na atual sociedade do conhecimento, poupar com segurança e firmeza para o futuro se substitui cada vez mais pela aposta pessoal no investimento mundial. Guias de muito sucesso sobre planejamento financeiro pessoal desprezam o ato de poupar como sendo o refúgio fora de moda daqueles que não têm espírito de aventura. p. 69-70.

A insegurança financeira é acompanhada pelo colapso da comunidade. Em lugar da comunidade em processo de definhamento, são oferecidas suas simulações comercializadas. Os sorrisos manufaturados são o principal atrativo de vendas da indústria de serviços, na qual as pessoas insistem em lhe desejar “bom dia”, apenas porque isso gera lucros para sua empresa. Em vez de prestar atenção umas às outras, pessoas ricas financeiramente, mas pobres em tempo, prestam atenção a si próprias, comprando a intimidade simulada de instrutores, orientadores, terapeutas, promotores de festas e personal trainers. p. 70

Francis Fukuyama define capital social como “um conjunto de valores e normas informais compartilhados por membros de um grupo, que lhes permite cooperar entre si” e que estabelece uma base de confiança. p. 72

Ensinar para além da economia do conhecimento significa estar em uma profissão reinventada, que não apenas proporciona valor, mas é movida por valores. Resumindo, o ensino para além da economia do conhecimento cultiva:

  • Caráter
  • Comunidade
  • Segurança
  • Inclusão
  • Integridade
  • Identidade cosmopolita
  • Continuidade e memória coletiva
  • Simpatia
  • Democracia
  • Maturidade pessoal e profissional.

Referência

HARGREAVES, Andy. O ensino na sociedade do conhecimento: educação na era da insegurança. Porto Alegre: Artmed, 2004. 237 p.

Rubem Fonseca: O buraco na parede

Chega meu chapa. (Vira as costas para José Roberto e caminha lentamento em direção à pia.) Nunca machuquei ninguém. Esta faca é só para fazer farol... para impressionar os trouxas... (Solta a faca, que cai ao chão.) Meu negócio é dar felicidade para os outros. (Volta o rosto para José Roberto, cansado e melancólico.) Para as mulheres, principalmente. Silas abre a torneira. Apóia-se na pia. Baixa a cabeça. Deita-se no chão. p. 55

Não interessa dizer como foi que um bancário desempregado como eu conheceu uma mulher como Paula, mas eu vou contar. p. 73

O que é caro sempre é bom, mesmo que seja ruim, essa é a regra de ouro dos consumistas. p. 89

A casa da pessoa pode ser uma coisa sem graça, a casa da maioria das pessoas é uma coisa sem graça, mas elas sempre querem transformá-las numa vitrine. O casamento é isso, duas pessoas se associam para fazer uma vitrine. A gente se mete dentro da vitrine junto com as bugigangas. Fazem parte da vitrine os dentes tratados, as boas roupas e os bons sapatos, as unhas manicuradas, a silhueta enxuta, os eletrodomésticos, as alianças, o perfume, a modulação da voz e a imponência das palavras, o rosto sem verruga (eu falei que tirei uma verruga do rosto?); e quanto mais ornamentada é a vitrine, maior é o nosso contentamento. Exibicionismo, eu entendo disso p. 89-90.

Dinheiro sendo gasto prodigamente com uma mulher é a mais impressionante exibição de poder que um homem pode fazer para ela. O pródigo exprime para a mulher beneficiária do seu esbanjamento o mesmo poder venerável que o seqüestrador, o torturador e o carrasco representam para sua vítimas. Mas há casos em que o sujeito não sendo podre de rico nem tendo soberania sobre a vida e a morte pode exercer um certo poder, mixuruca é verdade, sobre as mulheres: são os sujeitos que têm muita beleza, muito talento ou muita fama. Mas entre um poeta mavioso e um proprietário pomposo elas sempre escolhem o último. p. 91

[... ] O que mais existe é aborteiro neste país de gente fingida onde aborto é crime mas eles arrancam milhões de fetos por ano dos úteros de mulheres obedientes que emprenharam na marra, ou na apatia como vacas de estábulo, e depois querem se livrar do feto e até podem te dar um de graça... p. 116.

[...] Talvez os prazeres devam ser gozados dessa maneira secreta e para os homens de Deus a hipocrisia seja um imperativo. Que sei eu? p. 141

O Clube dos Democráticos ficava perto da nossa casa [...] O baile estava cheio de gente pulando no salão. Ainda faltava muito para o carnaval mas aquele era um clube carnavalesco e as pessoas pulavam e cantavam, principalmente as mulheres. Nunca tinha ido a um baile na minha vida. Senti pena das mulheres, suadas, pulando e saracoteando e gritando. Os homens causaram-me algum desprezo. p. 143

Na Biblioteca fiquei um tempo enorme procurando um livro para ler. Como tinha tantos livros para escolher, às vezes ficava na dúvida. Pesquisei assuntos no computador, vendo o que havia para ser consumido, como se fosse um menu de um restaurante. Ler era melhor do que comer. Ler era melhor do que andar. Ler era melhor do que criar sonhos conscientes. Ser surdo era melhor do que ser cego. Ser cego era melhor do que ser paralítico? Ensinei um rapaz estudante de curso noturno a encontrar um livro que o colégio mandara pesquisar, ele não entendia os comandos do computador. Eu gostava de ajudar as pessoas, gostava de mexer no computador, se tivesse dinheiro comprava um computador. Bem que gostaria de trabalhar na Biblioteca, seria o homem mais feliz do mundo se pudesse trabalhar ali. p. 147

Os homens se apaixonam pelas sereias porque elas não tem vagina, são asseadas e impenetráveis, e assim podemos ter com elas um vínculo imaculado. Pureza, limpeza, inexpugnabilidadse, esse o segredo das sereias. p.148


Referência

FONSECA, Rubens. O buraco na parede. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Bruno Bettelheim: A psicanálise dos contos de fadas

É característico dos contos de fadas colocar um dilema existencial de forma breve e categórica. Isto permite a criança aprender o problema em sua forma mais essencial [...] o conto de fadas simplifica todas as situações. Suas figuras são esboçadas claramente e detalhes a menos que muito importantes, são eliminados. Todos os personagens são mais típicos do que únicos. p. 15

O inconsciente é um determinante poderoso do comportamento. Quando está reprimido a personalidade será mutilada. Deve Ter um certo grau de permissão para vir a tona e ser trabalhado. p. 16

Nós crescemos, encontramos sentido na vida e segurança em nós mesmos por termos resolvido e entendido problemas pessoais por nossa conta, e não por eles nos terem sido explicados por outros. p. 27

Para uma criança a ação toma o lugar da compreensão [...] ela não experimenta raiva como raiva, mas apenas como um impulso de ferir, de destruir [...] só perto da puberdade começamos a reconhecer nossas emoções pelo que são sem agir em função delas imediatamente. p. 40

Os processos infantis inconscientes só se tornam claros para as crianças através de imagens que falam diretamente ao seu inconsciente. p. 40

[...] os exageros fantásticos do conto de fadas dão-lhe o toque de veracidade psicológica – enquanto explanações realistas parecem psicologicamente mentirosas, embora verdadeiras de fato. p. 41

As fábulas são admonitórias; visam dar instrução moral; nada é deixada à imaginação; o conto deixa todas as decisões a nosso encargo

Os mitos projetam uma personalidade ideal, agindo na base das exigências do superego, enquanto os contos de fadas descrevem uma integração do ego que permite uma satisfação apropriada dos desejos do id p. 52.

As crises psicossociais de crescimento são enfeitadas simbolicamente nos contos como encontros com fadas, bruxas, animais ferozes ou figuras de inteligência e astúcia sobre humana. P. 50
embora o conto de fadas ofereça imagens simbólicas fantásticas para a solução de problemas, a problemática apresentada é comum. p. 50

Os contos começam onde a criança está neste momento de sua vida, onde sem a ajuda da estória permaneceria fincada [...] a criança sente qual conto é verdadeiro para sua situação interna no momento. p. 74

Só escutando repetidamente um conto de fadas e sendo dado tempo e oportunidade para demorar-se nele, uma criança é capaz de aproveitar inteiramente o que uma estória tem a oferecer [...] é necessário distância e elaboração pessoal antes das projeções. p. 74;

na brincadeira normal, os objetos são usados para incorporar vários aspectos da personalidade da criança que são muito complexos, inaceitáveis e contraditórios para ela enfrentar. p. 71

Para que tenha uma externalização benéfica, a criança deve permanecer desinformada das pressões inconscientes às quais está respondendo quando torna suas as soluções das estórias de fadas. p. 74;

Se uma criança ouve apenas estórias realistas (o que significa falsas para partes importantes de sua realidade interna), então pode concluir que muito da sua realidade interna é inaceitável para seus pais. Muitas crianças se alheiam assim de sua vida interna, e isto as esvazia. Em conseqüência, pode mais adiante, como adolescente, não mais sob o jugo emocional de seus pais, vir a odiar o mundo racional e escapar inteiramente para um mundo de fantasia, como que para compensar o que perdeu na infância. E isto numa idade mais adulta, numa ocasião em que tal implicaria num severo rompimento com a realidade, com todas as conseqüências perigosas que traria para o indivíduo e a sociedade. Ora, menos grave, a pessoa pode manter este encapsulamento de seu eu interior por toda a vida, e nunca se sentir plenamente satisfeita no mundo porque, alienada dos processos inconscientes, não pode usá-los para enriquecer sua vida real. A vida não é então nem um “prazer” nem uma “espécie de privilégio excêntrico”. Com esta separação, o que quer que aconteça na realidade, não consegue oferecer uma satisfação apropriada para necessidades inconscientes. O resultado é que a pessoa sempre sente a vida como incompleta. p. 81

Uma criança pequena pode fazer pouco por sua própria conta, e isto é desapontador para ela – tanto que pode cair em desespero. O conto de fadas o impede, dando extraordinária dignidade à menor das aquisições e sugerindo que conseqüências maravilhosas pode daí brotar; assim o conto encoraja a criança a confiar na importância de suas pequenas aquisições reais. p. 90

A criança experimenta uma mistura de amor e ódio, desejo e medo dentro de si mesma como um caos incompreensível. Não pode-se orientar sentindo-se num só e mesmo momento boa e obediente, má e rebelde, embora o seja [...] uma pessoa ou é só coragem ou só medo; a mais feliz ou a mais miserável; a mais bela ou a mais feia; a mais esperta ou a mais burra [...] nunca algo intermediário. p. 91-92;

Quando o herói de um conto de fadas é o filho mais novo, ou é chamado de “o parvo” ou “o simplório” no começo da estória, esta é a explicação do conto de fadas sobre o estado original debilitado do ego quando começa sua luta para lidar com o mundo interno de impulsos e com os problemas difíceis que o mundo externo apresenta. p. 93;

O id é freqüentemente retratado sob a forma de algum animal, representando nosso natureza animal, geralmente apresentados de duas formas: ou destrutivos ou prestativos. p. 93

Se queremos entender nosso eu verdadeiro, devemo-nos familiarizar com os processos internos de nosso mente. Se queremos funcionar bem, temos que integrar as tendência discordantes que são inerentes ao nosso ser. Isolar estas tendências e projetá-las em figuras separadas [...] é um dos caminhos pelo qual o conto de fadas nos ajuda a visualizar e, assim apreender melhor o que se passa dentro de nós. p. 123

Ser expulso pode ser experimentado inconscientemente ou enquanto desejo da criança em se livrar dos pais, ou enquanto crença de que os pais desejam livrar-se delas. Ser enviada para o mundo ou abandonada em uma floresta simboliza tanto o desejo dos pais de que a criança se torne independente, quanto o desejo ou ansiedade da criança pela independência. p. 124

Como é difícil para a criança admitir a intensidade de seu desejo de sobrepujar seus pais, no conto de fadas isso é camuflado como a vitória sobre os dois irmãos que a desprezam. p. 135;

Tanto no inconsciente como no consciente, os números representam as pessoas. Situações familiares e relações. Estamos bem conscientes de que 1 representa a nós mesmos em relação com o mundo [...] 2 significa um grupo de dois, um casal, como numa relação amorosa ou marital. 2 contra 1 representa estar injustiçado ou mesmo definitivamente desclassificado numa competição. No inconsciente ou nos sonhos, 1 pode representar ou a própria pessoa [...] ou particularmente para as crianças, a figura paterna dominante. Para os adultos 1 se refere também a pessoa que possui poder sobre nós, tal como o patrão. Na mente infantil, 2 representa normalmente os dois pais, e 3 vale pela criança em relação a seus pais, mas não em relação a seus irmãos. Esta é a razão pela qual, qualquer que seja a posição da criança dentro do grupo de irmãos, o número 3 se refere a ela mesma. Quando numa estória de fadas a criança é a terceira, o ouvinte facilmente se identifica com ela porque dentro da constelação familiar mais básica ela é a terceira, independente de ser a mais velha, ou a do meio ou a mais nova dentre os irmãos. p. 134-135

A tarefa de aprendizado da criança é precisamente a de tomar decisões acerva de mover-se por conta própria, no tempo devido, e em direção às áreas de vida que ela mesma seleciona [...] o conto ajuda nesse sentido e também adverte a criança sobre algumas armadilhas que ela deve esperar e talvez evitar, sempre prometendo um resultado favorável. p. 146

Uma criancinha, por mais inteligente que seja, sente-se tola e inadequada quando é confrontada com a complexidade do mundo. p. 132

Realmente encorajamos as fantasias de nossos filhos; dizemos a eles que pintem o que quiserem, ou que inventem estórias. Mas sem o alimento de nossa herança comum de fantasias – o conto de fadas folclórico – a criança não pode inventar estórias por sua própria conta que ajudem-na a lidar com problemas da vida. Todas as estórias que ela pode inventar são expressões exatas de seus próprios desejos e ansiedades. Apoiando-se nos seus próprios recursos, tudo que a criança pode imaginar são elaborações de onde está no momento, dado que não sabe para onde precisa ir, nem como fazer para chegar lá. É aí que os contos de fadas fornecem o que a criança mais precisa: começam exatamente onde a criança está emocionalmente, mostram-lhe para onde ir e como fazê-lo. Mas o conto de fadas o faz por implicação, na forma de material fantasioso que a criança pode moldar como lhe parecer melhor, e por meio de imagens que tornam mais fácil para ela compreender aquilo que é essencial que compreenda. p. 152-153

A criança que tem uma fantasia pobre, como foi observado durante as brincadeiras, se apresenta mais orientada na área de motricidade, revelando muita ação e pouco pensamento nas atividades de jogos. Em contraste, a criança com um alto teor de fantasia é mais estruturada e criativa e tende a ser mais agressiva verbalmente do que fisicamente. (apud SINGER, Jerome, L., O mundo de faz de conta da criança, 1973)

A criança não está ciente de seus processos internos, razão pela qual estes são externalizados no conto de fadas e simbolicamente representado por ações que valem pelas lutas internas e externas. p. 183

O conto de fadas é a cartilha onde a criança aprende a ler sua mente na linguagem das imagens, a única linguagem que permite a compreensão antes de conseguirmos a maturidade intelectual. A criança precisa ser exposta a essa linguagem, e deve aprender a prestar atenção a ela, se deseja chegar a dominar sua alma. p. 197

Assim, o lar paterno “próximo a uma grande floresta” e a casa fatídica nas profundezas da mesma floresta são apenas, em nível inconsciente, dois aspectos do lar paterno: o gratificador e o frustrante. p. 199

Uma bruxa forjada pelas fantasias ansiosas da criança, persegue-a; mas uma bruxa que ela pode empurrar para dentro de seu próprio fogão para que morra queimada é uma bruxa da qual a criança pode se livrar. Enquanto as crianças continuarem acreditando em bruxas – sempre o fizeram e sempre o farão – até a idade em que não sejam mais compelidas a dar aparência humana às suas apreensões informes, elas necessitarão de estórias onde crianças se livram, pela engenhosidade, destas figuras persecutórias da imaginação. p. 202

“João e Maria” lida com dificuldades e ansiedades da criança que é forçada a abandonar sua ligação dependente com a mãe e a libertar-se da fixação oral. “Chapeuzinho Vermelho” aborda alguns problemas cruciais que a menina em idade escolar tem de solucionar quando as ligações edípicas persistem no inconsciente, o que pode levá-la a expor-se perigosamente a possíveis seduções. p. 206

Chapeuzinho Vermelho vive num lar de fartura que ela, como já ultrapassou a ansiedade oral, compartilha com a avó alegremente, levando-lhe comida. Para Chapeuzinho o mundo fora do lar paterno não é uma selva ameaçadora onde a criança não consegue encontrar o caminho. Existe uma estrada bem conhecida, da qual a mão aconselha-a a não se desviar. p. 207

A idéia de que Chapeuzinho lida com a ambivalência infantil entre viver pelo princípio do prazer ou pelo da realidade é sustentada pelo fato dela só parar de colher flores “quando já juntara tantas que não podia mais carregá-las”. Nesse momento Chapeuzinho “lembra-se novamente da Avó e prossegue o caminho para ela”. Isto é, só quando apanhar flores deixa de ser agradável, o id em busca de prazer recua e Chapeuzinho torna-se ciente de suas obrigações. p. 207

Chapeuzinho Vermelho é amada universalmente porque, embora virtuosa, sofre a tentação; e porque sua sorte nos diz que confiar nas boas intenções de todos, que nos parecem tão bons, na realidade deixa-nos sujeitos a armadilhas. Se não houvesse algo em nós que aprecia o lobo mau, ele não teria poder sobre nós. Por conseguinte, é importante entender sua natureza, mas ainda mais importante é aprender ao que a torna atraente para nós. Por mais atraente que seja a ingenuidade, é perigoso permanecer ingênua toda vida. p. 208-209

Em “Chapeuzinho Vermelho”, tanto no título como no nome da menina, enfatiza-se a cor vermelha, que ela usa declaradamente. O vermelho é a cor que significa as emoções violentas, incluindo as sexuais [...] ele sugere que não só o chapeuzinho é pequeno, mas também a menina. Ela é demasiado pequena, não para usar um chapéu, mas ara lidar com o que ele simboliza o com o que o uso dele atrai. p. 209

Esta luta entre o desejo consciente de fazer as coisas corretamente e o anseio inconsciente de vencer a mãe (avó) é o que nos faz amar a menina e a estória torna-a supremamente humana. p. 210

Não faz muito tempo que, em certas culturas de camponeses, quando a mão morria, a filha mais velha tomava o seu lugar sob todos os aspectos. p. 211

[...] poderíamos dizer que o lobo não devora Chapeuzinho logo que a encontra porque deseja levá-la para a cama com ele primeiro: um intercurso sexual a dois tem de preceder ao “devoramento”. [...] a maioria das crianças encara o ato sexual primariamente como um ato de violência que um dos parceiros efetua sobre o outro. Creio que se trata da equação infantil de excitação sexual, violência, e a ansiedade a que Djuna Barnes alude quando escreve: “As crianças sabem de algo que não podem explicar; gostam de Chapeuzinho Vermelho e o Lobo Mau na cama!” A estória de Chapeuzinho Vermelho corporifica esta estranha coincidência de emoções opostas que caracteriza o conhecimento sexual infantil, e por isso atrai inconscientemente as crianças, e os adultos que, através dela, se lembram vagamente da própria fascinação infantil em relação ao outro sexo. p. 212

Chapeuzinho Vermelho externaliza os processos internos da criança púbere: o lobo é a externalização da maldade que a criança sente quando vai contra os conselhos dos pais e permite-se tentar, ou ser tentada, sexualmente. Quando se desvia do caminho que os pais lhe traçaram encontra “maldade”, e teme que esta a engula e ao pai cuja confiança traiu. Mas pode ocorrer uma ressurreição a partir da “maldade”, como diz, em seguida, a estória. p. 213.

O caçador é a figura mais atraente [...] porque salva os bons e castiga o malvado. Todas as crianças encontram dificuldade em obedecer ao princípio de realidade, e reconhecem facilmente nas figuras opostas do lobo e do caçador, o conflito entre o id e os aspectos do superego da personalidade. A ação violenta do caçador (abrir o estômago) serve aos propósitos sociais mais elevados (salvar as duas mulheres). p. 213

Chapeuzinho tem de ser extraída do estômago do lobo por uma espécie de operação cesariana; por isso assimila a idéia de gravidez e nascimento. Com isso, associações de uma relação sexual são evocadas no inconsciente da criança. Como um feto entra no útero materno? Pergunta-se a criança, e decide que isso só pode ocorrer se a mão engolir alguma coisa, como o lobo. p. 213

[...] Num nível diferente, o lobo também representa as tendências não aceitáveis dentro do caçador; todos nos referimos ocasionalmente ao animal que está dentro de nós, como equivalente de nossa propensão para agir violentamente ou conseguir irresponsavelmente nossos objetivos. p. 213

Embora a inclinação imediata do caçador seja matar o lobo ele não o faz [...] Cabe a Chapeuzinho planejar espontaneamente o que fazer com o lobo e executá-lo. Para que ela esteja a salvo no futuro, deve ser capaz de acabar com o sedutor, livrar-se dele. Se o pai caçador o fizesse por ela, Chapeuzinho nunca sentiria que realmente vencera sua fraqueza, porque não teria se libertado dela. p. 214

Os predecessores do herói que morrem nos contos de fadas são apenas as encarnações anteriores e imaturas do herói. p. 216

[...] o final implicitamente adverte a criança que fugir das situações problemáticas é a solução errada. A estória termina assim: Mas Chapeuzinho Vermelho pensou: - enquanto eu viver, não sairei da estrada para entrar na floresta por mim própria, quando mamão me proibir. -“ [...] o encontro de Chapeuzinho com a própria sexualidade terá um resultado bem diferente, quando ela estiver preparada – quando então a mão aprovará. p. 217

Em vez dos outros fazerem as coisas por ela, a experiência de Chapeuzinho leva-a a modificar-se. p. 218

As mesmas estórias também intimam os pais a tomarem consciência dos riscos envolvidos no desenvolvimento de seus filhos, para que fiquem alerta e protejam a criança quando necessário, a fim de evitar uma catástrofe. Também mostram que os pais deveriam apoiar e encorajar o desenvolvimento pessoal e sexual dos filhos quando e onde seja apropriado. p. 221

A fórmula mágica “levante-se bordão e avance” sugere associações fálicas, como o fato de que só esta nova aquisição permite João dominar na relação com o pai que até então o dominava. p. 223

A estória deixa implícito que a potência fálica não basta. Por si só não leva a nada melhor e superior, nem ocasiona maturidade sexual. [...] Depois da maturidade o menino deve encontrar metas construtivas e trabalhar por elas para se tornar um membro útil da sociedade. Por esta razão João recebe primeiro o bordão, antes da abelha e do violino. p. 224

João também quer se livrar desta vaca inútil que o decepciona. Se a Mãe, na forma de Leiteira Branca, lhe retira o apoio e torna necessária uma modificação nas coisas, então João trocará a vaca não pelo que a mãe quer, mas pelo que lhe parece mais desejável. p. 225

Mas, abatendo o pé de feijão, João não se liberta apenas de uma imagem do pai como ogre destrutivo e devorador; também abandona sua crença no poder mágico do falo como meio para conseguir todas as coisas boas da vida. Cortando o pé de feijão, João abjura as soluções mágicas e torna-se “verdadeiramente um homem”. p. 229

[...] o próximo estágio de desenvolvimento não o encontrará numa tentativa de enganar o pai adormecido para roubar suas posses, nem fantasiando que uma figura materna o trairá o marido, para o bem dele, mas pronto a lutar abertamente por sua ascendência social e sexual. p. 229

Este conto de fadas [...] poderia ensinar muito aos pais sobre a forma de ajudar a criança a crescer. Diz às mães o que os meninos necessitam para resolver seus problemas edípicos: a Mãe deve apoiar a ousadia masculina do menino, ainda que sub-repticiamente, e protegê-lo contra os perigos inerentes à afirmação masculina, particularmente quando dirigidos contra o pais. p. 229

O conflito edípico do menino deste conto está externalizado convenientemente em duas figuras distantes que existem num castelo em algum lugar nas alturas: o ogre e sua mulher. Na experiência da maioria das crianças, quando o pai está fora – como o ogre no conto – a criança e a mãe se divertem juntas, como João e a mulher do ogre. Então repentinamente Papai volta para casa, pedindo a refeição, o que estraga tudo para a criança, que não recebe atenção do pai. Se a criança não sente que o pai fica feliz em encontrá-la em casa, passa a temer o que fantasiou enquanto ele esteve fora, porque isso não o incluía. Como a criança deseja roubar o que o pai tem de mais valioso, é natural que tema ser destruída, em retaliação. p. 230

Como sucede com os desejos, o conto de fadas compreende perfeitamente que a criança não pode evitar uma sujeição aos predicamentos edípicos, e, por conseguinte, ela não é punida se age de acordo com eles. Mas o pai que se permite externar seus problemas edípicos sobre a criança sofre seriamente com isso. p. 223

Os contos de fadas não dizem a razão de um pai ser incapaz de apreciar que o filho cresça e o supere, e fique também com ciúmes da criança. Não sabemos porque a Rainha em “Branca de Neve” não consegue envelhecer com graça e se satisfazer de modo substitutivo com a transformação e florescimento da menina numa moça adorável, mas algo deve ter acontecido no passado dela que a torna vulnerável e faz com que odeie uma criança que ela deveria amar. [...] a seqüência de gerações pode contribuir para o temor que os pais sentem dos filhos. p. 234

A expectativa da criança é que, por mais que deseje tirar o pai do caminho em certo momento, este fique bem vivo e atenda à criança no momento seguinte. De acordo com isso, no conto de fadas a pessoa morre ou se transforma em uma pedra em certo momento, e volta a viver no momento seguinte. p. 235

A mensagem destas estórias é que as dificuldades e envolvimentos edípicos podem parecer sem solução, mas, lutando corajosamente com estas complexidades emocionais familiares, podemos conseguir uma vida muito melhor do que as dos que nunca se conturbaram com problemas graves. p. 237-238.

A estória começa com a mãe de Branca de Neve picando os dedos e as três gotas de sangue vermelho caindo sobre a neve. Aqui a estória propõe os problemas a resolver: inocência sexual, brancura, contrastada com o desejo sexual, simbolizado pelo sangue vermelho. [...] Preparam a criança para aceitar um acontecimento que seria conturbador: o sangramento sexual, como na menstruação, e posteriormente na relação sexual. p. 241-242

[...] adverte sobre as conseqüências funestas do narcisismo tanto para os pais como para a criança. O narcisismo de Branca de Neve quase a destrói quando ela cede duas vezes às seduções da rainha que propõe torná-la mais bonita, e a rainha é destruída pelo próprio narcisismo. p. 242

se uma criança não pode se permitir a sentir ciúmes dos pais (isto é muito ameaçador para sua segurança), projeta seus sentimentos neles. Então “eu tenho ciúmes de todas as vantagens e prerrogativas de mamãe” transforma-se no pensamento “mamãe tem ciúmes de mim”. O sentimento de inferioridade é transformado defensivamente num sentimento de superioridade. p. 243

Infelizmente, há também pais que tentam convencer os filhos adolescentes de que são superiores a eles [...]. o pai que tenta competir com a força adolescente e as proezas sexuais do filho; a mãe que pela aparência, roupas e comportamento, tenta ser tão atraentemente jovem como a filha. p. 243-244

[...] Quem senão um pai substituto poderia aparentemente aquiescer ao domínio da madrasta e, no entanto, pelo bem da criança, ousar contrariar a vontade da rainha? É o que a menina edípica ou adolescente deseja acreditar sobre o pai; que mesmo que ele fizesse o que a mãe lhe ordena, tomaria o partido da filha se fosse livre, enganando a mãe. p. 244

A criança púbere é ambivalente nos desejos de ser muito melhor do que o pai do mesmo sexo porque teme que, se isto for verdade, o pai, ainda muito poderoso, se vingue. É a criança que teme a destruição [...] e não o pai quem deseja destruí-la. [...] É essencial que o pai se identifique intensamente com o filho do mesmo sexo para que a identificação deste com ele tenha êxito. p. 246-247

Os anões são homens bloqueados no seu desenvolvimento que vivem uma existência pré-edípica, que Branca de Neve deve transcender. p. 249

A estória de Branca de Neve ensina que alcançar-mos a maturidade física, não significa estarmos preparados [...] para a idade adulta. p. 253

Muitos heróis de contos de fadas, num ponto crucial de seu desenvolvimento, caem num sono profundo ou renascem. Cada novo despertar [...] simboliza a conquista de um estado mais adiantado de maturidade e compreensão. p. 254

No inconsciente o número três representa também o sexo no inconsciente, porque cada sexo tem três características sexuais visíveis: o pênis e os dois testículos no homem; a vagina e os dois seios na mulher. p. 259

A relação com a mãe é a mais importante na vida de todas as pessoas; mais do que qualquer outra, ela condiciona o desenvolvimento inicial da nossa personalidade, afetando em grande escala nossa visão futura da vida e de nós mesmos – por exemplo, se será uma visão otimista ou pessimista. p. 259

A adolescência é um período de mudanças grandes e rápidas, caracterizadas por períodos de passividade e letargia totais [...]. Este vaivém do comportamento adolescente é expresso em alguns contos de fadas quando o herói parte em busca de aventuras e subitamente é transformado em pedra por algum encantamento. p. 265

Enquanto muitos contos de fadas frisam os grandes feitos que um herói deve executar antes de ser ele mesmo, “A Bela Adormecida” enfatiza a concentração demorada e tranqüila que também é necessária para isso. Durante os meses que antecedem a primeira menstruação [...] as meninas ficam passivas, parecem sonolentas e refugiam-se dentro de si. p. 265

O tema central deste conto é que, embora os pais tentem de todas as maneiras impedir o despertar da sexualidade do filho, este ocorre inexoravelmente. [...] e que a realização sexual não perde sua beleza por termos que aguardar por ela. p. 271

[...] um quartinho trancado costuma representar em sonhos os órgãos sexuais femininos e o giro de uma chave na fechadura simboliza a cópula. p. 273

A estória de Bela Adormecida imprime na criança a idéia de que uma ocorrência traumática – como o sangramento da moça no início da puberdade e depois na primeira cópula – tem conseqüências felizes. [...] A maldição é uma benção disfarçada. p. 275

Um receptáculo pequenino dentro do qual se pode inserir uma parte do corpo de modo justo pode ser visto como um símbolo da vagina. [...] e algo que se pode perder com facilidade no final de um baile quando o amado tenta estreitar a amada, parece uma imagem apropriada à virgindade. p. 304-305

Cada sexo sente ciúmes do outro ter o que lhe falta, por mais que goste e se orgulhe daquilo que lhe pertence – seja a posição, o papel social, ou os órgãos sexuais.
[...]
De acordo com a teoria Freudiana, o complexo de castração da menina se centraliza na sua concepção de que originalmente todas as meninas tinham pênis e que as meninas de alguma maneira teriam perdido os seus. A ansiedade paralela do menino é a de que, se as meninas não tem pênis, é porque perderam e ele teme que o mesmo lhe suceda. p. 306

[...] os objetos que os contos utilizam devem ser apropriados a um nível aberto, consciente, e ao mesmo tempo devem atrair associações diferentes a partir do significado aberto. p. 308

[...] os pais bons tem que aparecer durante certo tempo, como pais ruins e persecutórios. p. 314

[...] num bom casamento todos encontrarão a realização sexual, mesmo daquilo que parecia sonhos impossíveis: uma vagina dourada para ele, e um pênis temporário para ela. p. 315-316

Transmite a mensagem de que é principalmente a mulher quem necessita mudar sua atitude frente ao sexo: em vez de rejeitá-lo deve aceitá-lo porque, enquanto o sexo lhe parecer algo feio e animalesco, permanecerá animalizado no macho; e ele não será desencantado. Enquanto um dos parceiros sentir repulsa pelo sexo, o outro não poderá apreciá-lo. p. 326

Em outro nível a estória diz que não podemos esperar que nossos primeiros contatos eróticos sejam agradáveis, pois são demasiado difíceis e estão cercados de ansiedade. Mas se permitir-mos [...] permitindo que o outro se torne sempre mais íntimo [...] reconheceremos a verdadeira beleza da sexualidade.

Cada conto de fadas é um espelho mágico que reflete alguns aspectos de nosso mundo interior, e dos passos necessários para evoluir-mos da imaturidade para a maturidade. Para os que mergulham naquilo que os contos de fadas tem a comunicar, estes se tornam lagos profundos e calmos que, de início, parecem refletir nossa própria imagem. Mas logo descobrimos sob a superfície os turbilhões de nossa alma - sua profundidade e os meios de obtermos paz dentro de nós mesmos e em relação ao mundo, o que recompensa nossas lutas. p. 348

Nos sonhos a satisfação dos desejos é disfarçada enquanto nos contos é expressa abertamente; Os sonhos são resultados de pressões externas que não encontraram alívio, de problemas que bloqueiam uma pessoa, para os quais ela não conhece os mesmos nem a solução e os sonhos não sugerem nenhuma.


Referência

BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. Tradução de Arlene Caetano. 7. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. 366 p.

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Rubem Fonseca: na Biblioteca fiquei...

Na Biblioteca fiquei um tempo enorme procurando um livro para ler. Como tinha tantos livros para escolher, às vezes ficava na dúvida. Pesquisei assuntos no computador, vendo o que havia para ser consumido, como se fosse um menu de um restaurante. Ler era melhor do que comer. Ler era melhor do que andar. Ler era melhor do que criar sonhos conscientes. Ser surdo era melhor do que ser cego. Ser cego era melhor do que ser paralítico? Ensinei um rapaz estudante de curso noturno a encontrar um livro que o colégio mandara pesquisar, ele não entendia os comandos do computador. Eu gostava de ajudar as pessoas, gostava de mexer no computador, se tivesse dinheiro comprava um computador. Bem que gostaria de trabalhar na Biblioteca, seria o homem mais feliz do mundo se pudesse trabalhar ali. (p. 147)


Referência

FONSECA, Rubens. O buraco na parede. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Álvaro de Campos: Diluente

A vizinha do número catorze ria hoje da porta
De onde há um mês saiu o enterro do filho pequeno.
Ria naturalmente com a alma na cara.
Está certo: é a vida.
A dor não dura porque a dor não dura.
Está certo.
Repito: está certo.
Mas o meu coração não está certo.
O meu coração romântico faz enigmas do egoísmo da vida.
Cá está a lição, ó alma da gente!
Se a mãe esquece o filho que saiu dela e morreu,
Quem se vai dar ao trabalho de se lembrar de mim?
Estou só no mundo, como um pião de cair.
Posso morrer como o orvalho seca.
Por uma arte natural de natureza solar,
Posso morrer à vontade da deslembrança,
Posso morrer como ninguém...
Mas isto dói,
Isto é indecente para quem tem coração...
Isto...
Sim, isto fica-me nas goelas como uma sanduíche com lágrimas...
Glória? Amor? O anseio de uma alma humana?
Apoteose às avessas...
Dêem-me Água de Vidago, que eu quero esquecer a Vida! (p. 346)


REFERÊNCIA

CAMPOS, Álvaro de. Poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. 595 p.

Fernando Pessoa: o livro do desassossego

PESSOA, Fernando. Livro do desassossego: composto por Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. 534 p.

Considero a vida uma estalagem onde tenho que me demorar até que chegue a diligência do abismo. Não sei onde ela me levará, porque não sei nada. Poderia considerar esta estalagem uma prisão, porque estou compelido a aguardar nela; poderia considerá-la um lugar de sociáveis, porque aqui me encontro com outros. Não sou, porém, nem impaciente nem comum. [...] Sento-me à porta e embebo meus olhos e ouvidos nas cores e nos sons da paisagem, e canto lento, para mim só, vagos cantos que componho enquanto espero. Para todos nós descerá a noite e chegará a diligência. Gozo a brisa que me dão e a alma que me deram para gozá-la, e não interrogo mais nem procuro. Se o que deixar escrito no livro dos viajantes puder, relido um dia por outos, entretê-los também na passagem, será bem. Se não o lerem, nem se entretiverem, será bem também. p. 46-47.

[...] mas como hei-de, em certa ocasião, ou sonhar ou agir, misturo uma coisa com outra. p. 47

Conquistei, palmo a pequeno palmo, o terreno interior que nascera meu. Reclamei, espaço a pequeno espaço, o pântano em que me quedara nulo. Pari meu ser infinito, mas tirei-me a ferros de mim mesmo. p. 56

Deus é o existirmos e isto não ser tudo. p. 60

A literatura, que é a arte casada com o pensamento e a realização sem a mácula da realidade, parece-me ser o fim para que deveria tender todo o esforço humano [...] Creio que dizer uma coisa é conservar-lhe a virtude e tirar-lhe o terror. Os campos são mais verdes no dizer-se do que no seu verdor. As flores, se forem descritas com frases que as definam no ar da imaginação, terão cores de uma permanência que a vida celular não permite. p. 63

... e um desdém cheio de tédio por eles, que desconhecem que a única realidade para cada um é a sua própria alma, e o resto – o mundo exterior e os outros – um pesadelo inestético, como um resultado nos sonhos de uma indigestão de espírito. p. 70-71

[...] é a sua consciência íntima de serem meus semelhantes, que me veste o traje de forçado, me dá a cela de penitenciário, me faz apócrifo e mendigo. p. 71

[...] E vejo que tudo quanto tenho feito, tudo quanto tenho pensado, tudo quanto tenho sido, é uma espécie de engano e de loucura. Maravilho-me do que consegui não ver. Estranho quanto fui e que vejo que afinal não sou. p. 73

Porque eu sou do tamanho do que vejo e não do tamanho da minha altura. p. 80

É humano querer o que nos é preciso, e é humano desejar o que não nos é preciso, mas é para nós desejável. O que é doença é desejar com igual intensidade o que é preciso e o que é desejável [...]. p. 86

Tudo vem de fora e a mesma alma humana não é porventura mais que o raio de sol que brilha e isola do chão onde jaz o monte de estrume que é o corpo. p. 92

Só a infelicidade eleva – e o tédio, que da infelicidade curtimos, é heráldico como o são descendentes de heróis longíncuos. p. 95

Cada um tem a sua vaidade, e a vaidade de cada um é o seu esquecimento de que há outros com alma igual. A minha vaidade são algumas páginas, uns trechos, certas dúvidas... p. 97

[...] Com pequenos mal-entendidos com a realidade construímos as crenças e as esperanças, e vivemos das côdeas a que chamamos bolos, como as crianças pobres que brincam a ser felizes. Mas assim é toda a vida [...] A civilização consiste em dar a qualquer coisa um nome que lhe não compete, e depois sonhar sobre o resultado. E realmente nome falso e o sonho verdadeiro criam uma nova realidade. O objeto torna-se realmente outro, porque o tornámos outro. Manufacturamos realidades. A matéria prima continua sendo a mesma, mas a forma, que a arte lhe deu, afasta-a efectivamente de continuar sendo a mesma. Uma mesa de pinho é pinho mas também é mesa. [...] Um amor é um instinto sexual, porém não amamos com o instinto sexual, mas com a pressuposição de outro sentimento. p. 98-99

[...] Tudo o que dorme é criança de novo. Talvez porque no sono não se possa fazer mal, e se não dá conta da vida, o maior criminoso, o mais fechado egoísta é sagrado, por uma magia natural, enquanto dorme. Entre matar quem dorme e matar uma criança não conheço diferença que se sinta. [...] Toda a vida é um sonho. Ninguém sabe o que faz, ninguém sabe o que quer, ninguém sabe o que sabe. Dormimos a vida, eternas crianças do destino. Por isso sinto, se penso com esta sensação, uma ternura informe e imensa por toda a humanidade infantil, por toda a vida social dormente, por todos, por tudo. p. 102

Para o homem vulgar, sentir é viver e pensar é saber viver. Para mim, pensar é viver e sentir não é mais que o alimento de pensar. p. 103

[...] A paisagem, tão admirável como quadro, é em geral incómoda como leito. p. 103

Sábio deveras é o que tem a possibilidade da altura nos músculos e a negação de subir no conhecimento. Ele tem, por visão, todos os montes; e tem, por posição, todos os vales. O sol que doura os píncaros dorá-los-á para ele mais [que] para quem ali o sofre; e o palácio alto entre florestas será mais belo ao que contempla do vale que ao que o esquece nas salas que o constituem de prisão. p. 105

Um poente é um fenómeno intelectual. p. 106

Tudo quanto amamos ou perdemos – coisas, seres, significações – nos roça a pele e assim nos chega à alma, e o episódio não é, em Deus, mais que a brisa que me não trouxe nada salvo o alívio suposto, o momento propício e o poder perder tudo esplendidamente. p. 112

Obedeça à gramática quem não sabe pensar o que sente. Sirva-se dela quem sabe mandar nas suas expressões. p. 114

A única atitude digna de um homem superior é o persistir tenaz de uma actividade que se reconhece inútil, o hábito de uma disciplina que se sabe estéril, e o uso fixo de normas de pensamento filosófico e metafísico cuja importância se sente ser nula. p. 118

Mas vale, sim, mais vale sempre ser a lesma humana que ama e desconhece, a sanguessuga que é repugnante sem o saber. p. 119

[...] O sonhador não é superior ao homem activo porque o sonho seja superior à realidade. A superioridade do sonhador consiste em que sonhar é muito mais prático que viver, e em que o sonhador extrai da vida um prazer muito mais vasto e muito mais variado do que o homem de ação. Em melhores e mais diretas palavras, o sonhador é que é o homem de ação. p. 120

Viver é ser outro. Nem sentir é possível se hoje se sente como ontem se sentiu: sentir hoje o mesmo que ontem não é sentir – é lembrar hoje o que se sentiu ontem, ser hoje o cadáver vivo do que ontem foi a vida perdida. p. 124

A vida é para nós o que concebemos nela. [...] Na verdade, não possuímos mais que as nossas próprias sensações; nelas, pois, que não no que elas vêem, temos que fundamentar a realidade da nossa vida. p. 130

Nenhuma ideia brilhante consegue entrar em circulação se não agregando a si qualquer elemento de estupidez. O pensamento colectivo é estúpido porque é colectivo: nada passa as barreiras do colectivo sem deixar nelas, como real de água, a maior parte da inteligência que traga consigo. p. 132

Conformar-se é submeter-se e vencer é conformar-se, ser vencido. Por isso toda a vitória é uma grosseria. [...] Vence só quem nunca consegue. Só é forte quem desanima sempre. p. 132

[...] Bêbado de me sentir, vagueio e ando certo. [...] E por detrás de isso, céu meu, constelo-me às escondidas e tenho o meu infinito. p. 136

Todo o homem de hoje, em que a estatura moral e o relevo intelectual não sejam de pigmeu ou de charro, ama, quando ama, com o amor romântico. p. 136

Nunca amamos alguém. Amamos, tão somente, a idéia que fazemos de alguém. É a um conceito nosso – em suma, é a nós mesmos – que amamos. p. 137

A renúncia é a libertação. Não querer é poder. p. 144

Somos todos míopes, excepto para dentro. Só o sonho vê com o olhar. p. 144

[...] Mais vale supremamente não agir que agir inutilmente, fragmentariamente, imbastantemente, como a inúmera supérflua maioria inane dos homens. p. 146

Não me indigno, porque a indignação é para os fortes; não me resigno, porque a resignação é para os nobres; não me calo, porque o silêncio é para os grandes. E eu não sou forte, nem nobre, nem grande. Sofro e sonho. Queixo-me porque sou fraco e, porque sou artista, entretenho-me a tecer musicais as minhas queixas e a arranjar meus sonhos conforme me parece melhor a minha ideia de os achar belos. p. 148

Repudiei sempre que me compreendessem. Ser compreendido é prostituir-se. Prefiro ser tomado a sério como o que não sou, ignorado humanamente, com decência e naturalidade. p. 149

Por mais alto que subamos e mais baixo que desçamos, nunca saímos das nossas sensações. Nunca desembarcamos de nós. Nunca chegamos a outrem, senão outrando-nos pela imaginação sensível de nós mesmos. p. 156

Quem cruzou todos os mares cruzou somente a monotonia de si mesmo. [...] Se viajasse, encontraria a cópia débil do que já vira sem viajar. p. 156

Vislumbres de ter a ilusão – tanto, e não mais, tem o maior dos homens. p. 166

Quem sou eu para mim? Só uma sensação minha. p. 170

[...] todo amor temporal não teve para mim outro gosto senão o de lembrar o que perdi. p. 173

Tudo para nós está em nosso conceito de mundo; modificar o nosso conceito de mundo é modificar o mundo para nós, isto é, é modificar o mundo, pois ele nunca será, para nós, senão o que é para nós. p. 175

Tudo quanto de desagradável nos sucede na vida [...] deve ser considerado como meros acidentes externos, impotentes para atingir a substância da alma. [...] Quanto atingirmos esta atitude [...] estamos defendidos não só do mundo mas de nós mesmos, pois vencemos o que em nós é externo, é outrem, é o contrário de nós e por isso o nosso inimigo. p. 176-177.

A vida deve ser, para os melhores, um sonho que se recusa a confrontos. p. 177

Tudo quanto não é a minha alma é para mim, por mais que eu queira que o não seja, não mais que cenário e decoração. p. 178

[...] A monotonia de tudo não é, porém, senão a monotonia de mim. p. 180

Tudo quanto buscamos, buscamo-lo por uma ambição, mas essa ambição ou não se atinge, e somos pobres, ou julgamos que a atingimos, e somos loucos ricos. p. 181

Na vida de hoje, o mundo só pertence aos estúpidos, aos insensíveis e aos agitados. O direito a viver e a triunfar conquista-se hoje quase pelos mesmos processos por que se conquista o internamento num manicómio: a incapacidade de pensar, a amoralidade, e a hiperexcitação. p. 188

Pode ser que nos guie uma ilusão; a consciência, porém, é que nos não guia. p. 190

Só aos mortos sabemos ensinar as verdadeiras regras de viver. p. 198

Assim como, quer o saibamos quer não, temos todos uma metafísica, assim também, quer o queiramos quer não, temos todos uma moral. p. 213

A nossa vida de adultos reduz-se a dar esmolas aos outros. Vivemos todos de esmola alheia. Desperdiçamos nossa personalidade em orgias de coexistência. p. 215

Ter opiniões é estar vendido a si mesmo. Não ter opiniões é existir. Ter todas as opiniões é ser poeta. p. 217

O entusiasmo é uma grosseria. [...] Exteriorizar impressões é mais persuadirmo-nos de que as temos do que termo-las. p. 216

Não se subordinar a nada – nem a um homem, nem a um amor, nem a uma ideia, ter aquela independência longínqua que consiste em não crer na verdade, nem, se a houvesse, na utilidade do conhecimento dela – tal é o estado em que, parece-me, deve decorrer, para consigo mesma, a vida íntima intelectual dos que não vivem sem pensar. Pertencer – eis a banalidade. Credo, ideal, mulher ou profissão – tudo isso é a cela e as algemas. Ser é estar livre. p. 234

Se alguma coisa há que esta vida tem para nós, e, salvo a mesma vida, tenhamos que agradecer aos Deuses, é o dom de nos desconhecermos: de nos desconhecermos a nós mesmos e de nos desconhecermos uns aos outros. A alma humana é um abismo escuro e viscoso, um poço que se não usa na superfície do mundo. Ninguém se amaria a si mesmo se deveras se conhecesse, e assim, não havendo a vaidade, que é o sangue da vida espiritual, morreríamos na alma de anemia. Ninguém conhece outro, e ainda bem que o não conhece, e, se o conhecesse, conhceria nele, ainda que mãe, mulher ou filho, o íntimo, metafísico inimigo. p. 251

A mentira é simplesmente a linguagem ideal da alma, pois, assim como nos servimos de palavras, que são sons articulados de uma maneira absurda, para em linguagem real traduzir os mais íntimos e subtis movimentos da emoção e do pensamento, que as palavras forçosamente não poderão nunca traduzir, assim nos servimos da mentira e da ficção para nos entendermos uns aos outros, o que, com a verdade, própria e instransmissível, se nunca poderia fazer. 256-257.

Uma opinião é uma grosseria, mesmo quando não é sincera. Toda sinceridade é uma intolerância. p. 267

Pobres diabos sempre com fome – ou com fome de almoço, ou com fome de celebridade, ou com fome das sobremesas da vida. Quem os ouve, e os não conhece, julga estar escutando os mestres de Napoleão e os instrutores de Shakespeare. p. 268

Tudo que se passa no onde vivemos é em nós que se passa. Tudo que cessa no que vemos é em nós que cessa. Tudo que foi, se o vimos quando era, é de nós que foi tirado quando se partiu. p. 270

O mundo é de quem não sente. A condição essencial para se ser um homem prático é a ausência de sensibilidade. A qualidade principal ma prática da vida é aquela qualidade que conduz à acção, isto é, a vontade. Ora há duas coisas que estorvam a ação – a sensibilidade e o pensamento analítico, que não é, afinal, mais que o pensamento com sensibilidade. Toda acção é, por sua natureza, a projeção da personalidade sobre o mundo externo, e como o mundo externo é em grande e principal parte composto por entes humanos, segue que esta projecção da personalidade é essencialmente o atravessarmo-nos no caminho alheio, o estorvar, ferir e esmagar os outros, conforme o nosso modo de agir. p. 286

Todo o prazer é um vício, porque buscar o prazer é o que todos fazem na vida, e o único vício negro é fazer o que toda a gente faz. p. 293

Irrita-me a felicidade de todos estes homens que não sabem que são infelizes. A sua vida humana é cheia de tudo quanto constituiria uma série de angústias para uma sensibilidade verdadeira. Mas, como a sua verdadeira vida é vegetativa, o que sofrem passa por eles sem lhes tocar na alma [...] Por isto, contudo, os amo a todos. Meus queridos vegetais. p. 294

Todos temos por onde sermos desprezíveis. Cada um de nós traz consigo um crime feito ou o crime que a alma lhe pede para fazer. p. 296

Ninguém, suponho, admite verdadeiramente a existência real de outra pessoa. Pode conceder que essa pessoa seja viva, que sinta e pense como ele; mas haverá sempre um elemento anónimo de diferença, uma desvantagem materializada. [...] Os outros não são para nós mais que paisagem, e, quase sempre, paisagem invisível de rua conhecida. p. 297

Não me envergonho de sentir assim porque já vi que todos sentem assim. O que parece haver de desprezo entre homem e homem, de indiferente que permite que se mate gente sem que se sinta que se mata, como entre os assassinos, ou sem que se pense que se está matando, como entre soldados, é que ninguém presta a devida atenção ao facto, parece que abstruso, de que os outros são almas também. p. 297

... barcos que passam na noite e se nem saúdam nem conhecem. p. 298

Não sei que sentido tem esta viagem que fui forçado a fazer, entre ums noite e outra noite, na companhia do universo inteiro. Sei que posso ler para me distrair. [...] e, de vez em quando, ergo os olhos do livro onde estou sentindo verdadeiramente, e vejo, como estrangeiro, a paisagem que foge [...] e tudo isso não é mais para mim do que um episódio do meu repouso, uma distração inerte em que descando os olhos das páginas demasiado lidas. p. 320

A mais vil de todas as necessidades – a da confidência, a da confissão. É a necessidade da alma de ser exterior. Confessa, sim; mas confessa o que não sentes. Livra a tua alma, sim, do peso dos seus segredos, dizendo-os; mas ainda bem que os segredos que digas, nunca os tenha dito. Mente a ti próprio antes de dizeres essa verdade. Exprimir é sempre errar. Sê consciente: exprimir seja, para ti, mentir. p. 321

[...] reparei que o mal mais se vê que se sente, a alegria mais se sente do que se vê. Porque não pensando, não vendo, certo contentamento adquire-se [...] Mas todo o mal entra em casa pela janela da observação e pela porta do pensamento. p. 369

Considerar a nossa maior angústia como um incidente sem importância, não só na vida do universo, mas na da nossa mesma alma, é o princípio da sabedoria. Considerar isto em pleno meio desa angústia é a sabedoria inteira. No momento em que sofremos, parece que a dor humana é infinita, pois nada há humano de infinito, nem a nossa dor vale mais que ser uma dor que nós temos. p. 377

O prêmio natural do meu afastamento da vida foi a incapacidade, que criei nos outros, de sentirem comigo. Em torno a mim há uma auréola de frieza, um halo de gelo que repele os outros. Ainda não consegui não sofrer com a minha solidão. Tão difícil é obter aquela distinção de espírito que permita ao isolamento ser um repouso sem angústia. Nunca dei crédito à amizade que me mostaram, como o não teria dado ao amor, se mo houvessem mostrado, o que aliás, seria impossível. Embora nunca tivesse ilusões a respeito daqueles que se diziam meus amigos, consegui sempre sofrer desilusões com eles – tão complexo e subtil é o meu destino de sofrer.
[...]
É preciso certa coragem intelectual para um indivíduo reconhecer destemidamente que não passa de um farrapo humano, aborto sobrevivente, louco ainda fora das fronteiras da internabilidade; mas é preciso ainda mais coragem de espírito para, reconhecido isso, criar uma adaptação perfeita ao seu destino, aceitar sem revolta, sem resignação, sem gesto algum, ou esboço de gesto, a maldição orgânica que a Natureza lhe impôs. Querer que não sofra com isso, é querer de mais, porque não cabe no humano o aceitar o mal, vendo-o bem, e chamar lhe bem; e, aceitando-o como mal, não é possível não sofrer com ele. p. 432

Eu sou [...] o lume das lareiras apagadas, o pão das mesas desertas, a companheira solícita dos solitários e dos incompreendidos. A glória, que falta no mundo, é pompa no meu negro domínio. No meu império, o amor não cansa, porque sofra por ter; nem dói, porque canse de nunca ter tido. A minha mão pousa de leve nos cabelos dos que pensam, e eles esquecem; contra o meu seio se encosta os que em vão esperaram, e eles enfim confiam. p. 446

Porque hás-de tentar ser como os outros, se estás condenado a ti? Para que hás-de rir, se, quando ris, a tua própria alegria sincera é falsa, porque nasce de te esqueceres de quem és? Para que hás-de chorar, se sentes que de nada te serve, e choras mais as lágrimas não te consolarem, que porque as lágrimas te consolem? p. 447

E assim nós morremos a nossa vida, tão atentos separadamente a morrê-la que não reparámos que éramos um só, que cada um de nós era uma ilusão do outro, e cada um, dentro de si, o mero eco do seu próprio ser... p. 457

[...] O outro é sempre o obstáculo para quem procura. Só quem não procura é feliz; porque só quem não busca, encontra. p. 467

[...] O amor quer possuir [...] Amar é entregar-se. Quanto maior a entrega, maior o amor. Mas a entrega total entrega também a consciência do outro. O amor maior é por isso a morte, ou o esquecimento, ou a renúncia [...]. p. 468

Brady & Powel: arrancar máscaras! abandonar papéis!

Pressupostos e atitudes necessárias para a boa comunicação:
  1. Devemos nos empenhar na comunicação;
  2. Devemos nos convencer de que somos um dom a ser feito e que, por meio da sua auto-revelação, os outros são uma dádiva que nos é oferecida;
  3. Devemos decidir-nos a ser honestos com nós mesmos;
  4. Regras para a prática bem sucedida da revelação de si (falar):
  5. Ao nos revelar aos outros, devemos assumir total responsabilidade por nossas próprias ações e reações. Em conseqüência, faremos afirmações com o pronome “eu”, não “você”;
  6. Devemos falar apenas por nós mesmos. Ao me comunicar, devo tornar claro que estou falando apenas minha verdade, não a verdade;
  7. Devemos partilhar com aqueles com quem nos relacionamos todos os sentimentos significativos;
  8. Devemos ser corajosos o bastante para partilhar nossa vulnerabilidade pessoal;
  9. Devemos expressar gratidão aos nossos ouvintes;

Regras para a bem sucedida aceitação de outrem (escutar):

  1. Devemos estar “presentes” e “disponíveis” aos que se oferecem para se revelar a nós;
    Devemos aceitar os outros como são;
  2. Escutar atentamente para apreender a “consistência interior” dos outros;
  3. Procuremos não adivinhar pensamentos, julgando as intenções e motivos dos outros;
  4. Expressemos reações empáticas e tranquilizadoras, quando os outros estão se revelando à nós;
  5. Esclareçamos a mensagem que está sendo transmitida, tentando sempre entender corretamente o que os outros querem dizer;
  6. Ofereçamos sugestões, nunca instruções;
  7. Evitemos todos os bloqueios à comunicação;
  8. Agradeçamos explicitamente aos que se revelam a nós;
  9. Práticas de incentivo à boa comunicação interpessoal:
  10. A boa comunicação exige um tempo especial ou de qualidade;
  11. Tocar-se é uma importante forma de comunicação;
  12. Para ser comunicadores eficientes, devemos “nos expandir” para além de nossas “zonas de conforto”;
  13. Aprendamos a pedir desculpas quando necessário;
  14. Evitar o acúmulo de tensões;
  15. Em tempos de crise, precisaremos usar abordagens especiais;
  16. Ao falar ou ouvir, o motivo da boa comunicação deve ser sempre o amor;
  17. Rezar para obter a iluminação e a coragem de bem nos comunicar.

Somerset Maugham em O fio da navalha diz que os homens e as mulheres não são somente eles mesmos. São a região onde nasceram, o apartamento da cidade onde aprenderam andar, as brincadeiras que brincaram na infância, as conversas fiadas que ouviram por acaso, os alimentos que comeram, as escolas que freqüentaram, os esportes que praticaram, os poemas que leram e o Deus em que creram. Às vezes podemos achar que não, mas cada um de nós é um mistério único. O mistério que é você e o mistério que sou eu nunca existiram antes. Jamais existirá alguém exatamente como você ou eu. [...] É tão particular quanto suas impressões digitais. E só você pode partilhar seu mistério e talento comigo [...] o tesouro de minha singularidade é meu para doar ou recusar. p. 27

Se você preferir recusar-me seu Dom, serei privado de partilhar do mistério e experiência singular que você é. Da mesma forma posso negar-lhe a experiência direta de como é ser eu. Exatamente como ficaremos privados para sempre por causa dessa mútua recusa, o oposto também é verdadeiro. Podemos ficar para sempre enriquecidos por uma franqueza e um partilhar mútuos. A participação indireta na existência humana singular de outra pessoa é sempre enriquecedora. Essa é a grande dádiva da comunicação. Quando me disser quem é você, quando partilhar sua singularidade comigo, levar-me-á a um mundo diferente, a um tempo e lugar diferentes, a uma família diferente. Você partilhará sua antiga vizinhança comigo e me contará histórias que ouviu quando criança [...] Você me conduzirá a arcas secretas e experiências que não eram parte de minha vida. Apresentar-me-á emoções, esperanças e sonhos que nunca foram meus. E isso só poderá ampliar as dimensões de minha mente e meu coração. Ficarei sempre enriquecido pelo nosso partilhar. Meu mundo de experiências ficará para sempre ampliado, por causa de sua bondade para comigo.

Escrito anônimo: As pessoas são dádivas.

As pessoas são dádivas de deus para mim. Já vêm embrulhadas, algumas lindamente e outras de modo menos atraente. Algumas foram danificadas no correio; outras chegaram por “entrega especial”. Algumas estão desamarradas, outras hermeticamente fechadas. Mas o invólucro não é a dádiva e essa é uma importante descoberta. É tão fácil cometer um erro a esse respeito, julgar o conteúdo pela aparencia. Às vezes a dádiva é aberta com facilidade; às vezes é preciso a ajuda de outros. Talvez porque tenham medo. Talvez já tenham sido magoadas antes e não queiram ser magoados de novo. Pode ser que já tenham sido abertos e depois jogados fora. Pode ser que agora se sintam mais como “coisas” do que “pessoas humanas”. Sou uma pessoa: como todas as outras, também sou uma dádiva. Deus encheu-me de uma bondade que é só minha. E contudo, às vezes, tenho medo de olhar dentro de meu invólucro. Talvez eu tenha medo de me Desapontar. Talvez eu não confie em meu próprio conteúdo. Ou pode ser que eu nunca tenha realmente aceitado a dádiva que sou. Todo encontro e partilhar de pessoas é uma troca de dádivas. Minha dádiva sou eu; a sua é você. Somos dádivas um para o outro. p. 28-29

“A questão aqui é esta: meu motivo pode ser desabafo, manipulação ou comunicação. Se lhe conto meus sentimentos porque quero desabafar, não estou me revelando como uma dádiva a ser oferecida, mas estou usando-o como uma lata de lixo, para meu refugo emocional, para que possa me sentir melhor (e você muito provavelmente se sentir pior). Se meu motivo é manipulação, estou, consciente ou inconscientemente, manobrando-o. Posso querer que você se sinta responsável por mim e por minhas emoções, sinta-se culpado por haver causado minhas emoções ou mesmo dê-me a solidariedade que estou procurando. [...] O único motivo aceitável para que eu compartilhe meus sentimentos é a comunicação. Conto-lhe meus sentimentos porque quero que você conheça meu verdadeiro eu e quero ter um relacionamento verdadeiro com você, não um “arranjo” erroneamente chamado de “amizade”. p. 53

Existe uma teoria que alega que todos temos complexo de inferioridade que surgem quase que como uma herança e são firmemente estabelecidos durante os cinco primeiros anos de vida. Uma criança normal recebe nos primeiros cinco anos de vida 431 mensagens negativas em um dia: “pare com isso!” ou “desça daí “ etc. Como resultado dessas mensagens negativas, desenvolvemos instintos de auto proteção. Tentamos cobrir os nossos egos para evitar maiores danos = mecanismos de defesa do ego. Os mais comuns são os cinco abaixo:
Compensação: inclinamo-nos para trás para evitar cair de cara [...] o menininho assobia no escuro enquanto atravessa um cemitério à noite; a garotinha teimosa insiste “não dói... não dói”;
Transferência: construímos uma válvula de escape para os impulsos que não podemos deixar escapar diretamente. Ex.: não posso expressar minha hostilidade pelo meu chefe porque ele poderia me despedir. Por isso vou a uma partida de futebol e grito: “juiz filho da puta”;
Projeção: habilmente renegamos as qualidades indesejáveis em nós mesmos, mas atribuímos essas qualidades repugnantes a outra pessoa ou outra coisa [...] transferimos a responsabilidade por nossas deficiências e fracassos, de nós mesmos a outra pessoa ou coisa
Introjeção: proclamamos como nossas as boas qualidades ou os feitos dos outros, compartilhando indiretamente de suas realizações e nos aquecendo com o brilho de sua glória. É também possível introjetar sensação de perseguição ou de martírio pessoal. Imaginamo-nos como vítimas heróicas. Também é uma forma de introjeção, quando identificamos nossas posses materiais com nossas pessoas e nos inflamos de orgulho quando alguém admira nosso carro. Ex.: novelas.

Racionalização: é a mais predominante [...] é um falso exercício de autojustificação [...] posso achar boas razões por não fazer o que sei que devia [...] ou achar justificativa por fazer o que sei que é errado. p. 61-63

Honestidade e franqueza neutralizam nossas tendências doentias. Honestidade e franqueza, vontade de nos revelar com imperfeições e tudo fazem-nos reais. [...] as conseqüências da honestidade às vezes parecem um preço alto demais, mas não devemos nos preocupar. p. 64

A falsidade exige um megaesforço. Grande alívio é contar as coisas como realmente são, sentir-nos a salvo e seguros sendo nós mesmos. p. 67

As pessoas nunca ouvem exatamente o que dizemos. E o importante não é o que dizemos, mas o que elas ouvem. p. 71

O maior fardo na vida é ter um grande potencial (apud Minduim, p. 83).

A empatia, como as outras práticas envolvidas na comunicação, é uma habilidade que pode ser desenvolvida. Às vezes, acho que o principal obstáculo à empatia é nossa crença persistente de que todo mundo é exatamente como nós [...] que todo mundo vê as coisas de nosso modo [...] que todo mundo reage exatamente como nós. Para desenvolver nossos poderes de empatia, temos de reconhecer a diversidade única de todo ser humano. Devemos ser capazes de abandonar nosso próprio sistema de coordenadas e nossos próprios instintos e de assumir os de outrem. Em certo sentido, a empatia é a arte fundamental do ouvinte no processo de comunicação [...] a empatia é difícil por causa de nossas diferenças [...] quando alguém discorda de nós ou realmente não gosta de nós ou de algo que estejamos fazendo. Sair de nossa pele e nos colocar na deles em momentos como esse é a perfeição da empatia [...] a empatia é adquirida somente com a prática. p. 99

Como é ser você? Pode me ajudar a compreender? Quando se levanta pela manhã e olha no espelho, qual é a sua reação ao que vê?. p. 101

Acho que naquela noite desci a vales e escalei montanhas onde nunca estivera antes e acho que aprendi bastante sobre o poder benéfico da empatia [...] nunca saímos de casa e voltamos a mesma pessoa, porque somos modificados por nossas experiências [...] é igualmente verdade que nunca saímos de nós mesmos para viver brevemente na pessoa e no mundo de outrem e voltamos para nossa vidas como a mesma pessoa. A cura e a transformação da empatia são sempre mútuas: cura e transforma tanto quem recebe como quem dá [...] o convite à empatia começa com esta pergunta: como é ser você?. p. 102

Tenho que me esforçar para esclarecer sua mensagem. Existem 3 tipos de esclarecimento, cada um trata de um nível de compreensão diferente: pedir mais informações; verificar o significado das palavras: partilhar definições! Verificar minha compreensão de sua experiência: devolvo-lhe seu partilhar como entendi para assegurar que realmente aprendi o impacto de sua experiência em você. p. 104

Ao procurar um esclarecimentos em qualquer um desses níveis, a coisa mais importante é que nossas intenções sejam claras ao falante. E nossas intenções devem sempre provocar: interesse no falante; gentileza e paciência com o processo; desejo de entender plenamente o partilhar de ourtem.

Passar como navios dentro da noite é uma alternativa solitária e dolorosa. p. 109

Sei que você
crê que entendeu
o que pensa que eu disse,
mas não tenho certeza
se você percebe
que o que ouviu
não é o que eu quis dizer. p. 107

Evitar todos os bloqueios à comunicação. Eis abaixo alguns bloqueios comuns:

  • Conselhos: o que você devia fazer é...
  • Competição: tenho certeza que pareço melhor do que...
  • Computação: Dizem que estudos demonstraram...
  • Distração da atenção: Puxa, este é um grande lugar...
  • Sonho: O quê?... Claro... Entendo.
  • Filtro: Outra bom dia no trabalho, hein?
  • Saco de aniagem: Sim, mas você ...
  • Identificação: Sim, é igual a ocasião em que...
  • Desconsideração: “...” mesmo quando estou “ignorando”, escuto.
  • Denominação (rotulagem): “Ora vamos, você é mesmo paranóico”
  • Conciliação: “Oh, sim. É verdade. Hum! Você tem razão”
  • Ensaio de minha resposta: “Logo que ele acabar de falar, vou lhe dizer exatamente...”
  • Sarcasmo: “Não se apresse querida, poderá perder a fama de... p. 117-123

Expandir-se [...] significa sair de nossas zonas de conforto. Significa sonhar o sonho impossível, tentar alcançar o que antes era inatingível, experimentar o que ainda não foi experimentado, arriscar-se a falhar, ousar ir a lugares onde nunca estivemos antes. p. 142


Se a comunicação começa a perecer forçada e tensa, devemos nos fazer estas perguntas a respeito do processo:

  • Estamos fazendo afirmações com o pronome “você”?
  • As emoções estão sendo representadas indiretamente em vez de francamente expressas?
  • Estamos desabafando ou manipulando em vez de nos comunicando?
  • Algum de nós se sente emocionalmente transtornado?
  • Parecemos estar na defensiva?
  • Estamos marcando os pontos em um placar invisível?
  • Estamos em um padrão de acusação e contra-acusação?
  • Estamos caindo nas armadilhas de aconselhar, presumir ou julgar um ao outro?
  • Parece haver um bloqueio para o ato de escutar mútua e francamente?
  • Sentimo-nos frustrados com nossas trocas?
  • Caso sim [...] devemos ir mais devagar, mudar o foco do assunto para o processo e analisar juntos o processo. p. 161

É importante para todos nós considerar o processo de comunicação exatamente tão essencial a uma vida plena quanto a alimentação e os exercícios. p. 164


“Quando a satisfação, a felicidade e a segurança de outrem são tão reais para você quanto as suas próprias, você ama verdadeiramente essa pessoa” (Harry Stack Sullivan, psiquiatra). [...] Os sentimentos são instantâneos, passageiros e ambivalentes. O amor é antes uma decisão (vou amá-la) e um compromisso. p. 165

Tudo o que não é abertamente expresso em um relacionamento torna-se uma insidiosa força de destruição. p. 167

Uma intenção amorosa é reconhecida pelo que faz. O motivo do amor deve claramente excluir:

  • Magoá-lo ou puni-lo;
  • Revidar alguma coisa que você fez;
  • Rebaixá-lo, pô-lo de volta em seu lugar;
  • Parar de me preocupar com você, ignorando-o;
  • Mantê-lo à distância;
  • Manipula-lo para que sinta ou aja de um jeito que me agrade;
  • Desabafar despejando o meu lixo emocional sobre você;
  • Recusar-me a escutá-lo;
  • Construir barreiras entre nós;
  • Ridicularizar, castigar, julgar ou competir, a fim de superá-lo. p. 168


De fato, uma das leis de aprendizagem diz que quanto mais sentidos estiverem envolvidos no processo de aprendizagem, tanto mais profundamente as lições penetrarão e por mais tempo serão lembrada. p. 138


O contato é para a comunicação o que a música é para as palavras. p. 139


REFERÊNCIA

BRADY, Loretta; POWEL, John. Arrancar máscaras! Abandonar papéis!: a comunicação pessoal em 25 passos; tradução de Bárbara Theodato Lambert. São Paulo: Loyola, 1988.

Tao Te King: o livro que revela Deus

ATITUDE RETA, SUPOSIÇÃO PARA ATOS CORRETOS

Favor e desfavor geram angústia.
Honras geram dissabores para o ego.
Por que é que favor e desfavor geram dissabores?
Porque, quem espera favor paira na incerteza,
Sem saber se o receberá.
Quem recebe favor, também paira na incerteza:
Não sabe se o conservará.
Por isto causam dissabor
Tanto o favor como o desfavor.
Porque é que as honras geram dissabor?
Todo dissabor nasce do fato
De alguém ser um ego.
E não é possível contentar o ego.
Se eu pudesse libertar-me do ego,
Não haveria mais dissabores.
Por isto:
Quem se mantém liberto de favores e desfavores,
Liberta-se da idolatria do ego.
Só pode possuir o Reino
Quem está disposto a servir desinteressado,
A esse se pode confiar o Reino.


O FUNDAMENTO DA VERDADEIRA ÉTICA

De mil benefícios goza um povo,
Quando não se fala mais em ser virtuoso nem santo.
Verdadeira reverência e amor sincero
Medram numa sociedade
Em que o direito e a moral deixam de ser prescritos.
A ordem não reina numa sociedade
Onde o interesse determina o agir.
Esses princípios não podem ser prescritos,
Mas devem ser vividos.
Somente onde eles são vivenciados
É que ajudam os homens.
A ética genuína só existe
Onde o homem vive dentro da sua fonte
E age pela pureza de seu coração;
Onde a genuinidade de seu ser
Se revela em atos desinteressados
E isento de desejos.


DA LEI DA COMPENSAÇÃO INTERIOR

O que é imperfeito será perfeito;
O que é curvo será reto;
O que é vazio será cheio;
Onde há falta haverá abundância;
Onde há plenitude haverá vacuidade.
Quando algo se dissolve, algo nasce.
Assim, o sábio,
Encerrando em si a alma do Uno,
Se torna modelo do Universo.
Não dá importância a si mesmo,
E será considerado importante.
Não se interessa por si mesmo,
E será venerado por todos.
Nada quer para si,
E prospera em tudo.
Não pensa em si,
E é superior a tudo.
E, por não ter desejos,
É invulnerável.
Por isto, há muita verdade
No velho ditado:
Quem se amolda é forte.
É esta a meta suprema da vida humana.


VITÓRIA PELA AUTO-SUFICIÊNCIA

Quem pouco fala, encontra atitude certa
Em todos os acontecimentos.
Não desespera quando rugem tufões,
Porque sabe que não tardam a passar;
Sabe que um chuveiro não dura o dia todo,
É produzido pelo céu e pela terra.
Se tudo é tão inconstante,
Como não o seria o homem?
Por isto o que importa
É a atitude interna,
Isto é: adaptar-se em silêncio
A todos os acontecimentos.
Quem harmoniza os seus atos
Com o Tao da Realidade
Se torna um com ele.
Quem, no seu agir, é determinado
Por seu próprio ego,
Identifica-se com o ego.
Quem identifica o seu agir com coisa qualquer,
É identificado com esta coisa.
Quem sintoniza com a alma do Infinito,
Se assemelha em tudo ao Infinito.
E quem assim se harmoniza com o Infinito,
Recebe os benefícios do Infinito.
Tanta confiança recebe cada um,
Quanta confiança ele der.


A VIDA CORRETA NASCE DA NATURALIDADE

Quem se ergue na ponta dos pés
Não pode ficar por muito tempo.
Quem abre demais as pernas
Não pode andar direito.
Quem se interpõe na luz
Não pode luzir.
Quem dá valor a si mesmo
Não é valorizado.
Quem se julga importante
Não merece importância.
Quem se louva a si mesmo
Não é grande.
Tais atitudes são detestadas pelos poderes celestes.
Detesta-as também tu, ó homem sapiente.
Quem tem consciência da sua dignidade,
De ser veículo do Infinito,
Se abstém de tais atos.


CULTURA GENUÍNA

Quem anda direito não deixa rastro,
Quem fala bem não diz desacertos.
Quem calcula bem não usa lembretes.
Quem fecha bem dispensa fechaduras e ferrolhos,
E contudo ninguém o pode abrir.
Quem amarra bem não usa corda nem barbante,
E contudo ninguém pode desatar.
Assim, o sábio, em sua madureza,
Sabe sempre ajudar os homens.
Para ele, ninguém está perdido.
Sabe aperfeiçoar tudo que existe,
E não vê mal em ser algum.
É este o duplo segredo
De toda a realização do homem:
O homem pleni-realizado
Ajuda sempre ao menos realizado.
O homem mais culto
Ajuda sempre ao menos culto.
Pelo que, ó homem, trata com reverência
Ao homem mais maduro que tu.
E envolve em sincero amor
Aquele que necessita de ti.
Quem não age assim
Ignora a cultura genuína.
Vai nisto um grande segredo.


A SABEDORIA PARECE ESTULTÍCIE

O verdadeiro sábio,
Quando conhece o Tao,
Procura realizá-lo em si.
Quem ainda vacila, incerto,
Na sabedoria, só de vez em quando
Segue o caminho certo.
Quem apenas fala em sabedoria,
Não a toma a sério.
Se Tao não lhe parecesse absurdo,
Não seria Tao.
Por isto disse o poeta:
“Quem é iluminado por dentro,
Parece escuro aos olhos do mundo.
Quem progride interiormente,
Parece ser um retrógrado.
Quem é auto-realizado,
Parece um homem imprestável.
Quem segue a luz interna,
Parece uma negação para o mundo.
Quem se conserva puro,
Parece um bobo e simplório.
Quem é paciente e tolerante,
Parece um sujeito sem caráter.
Quem vive de acordo com seu Eu espiritual,
Passa por um homem enigmático”.
Tao se parece com um quadrado infinito
Sem ângulos.
Com um vaso de tamanho ilimitado
Sem conteúdo algum.
Parece-se com um som de infinita vibração
Que não se ouve.
Com uma imagem infinitamente grande
Que ninguém pode ver.
Mas, embora Tao não seja cognoscível,
Nem nominável,
Ele é tudo e realiza tudo.


A RIQUEZA DO SER E A POBREZA DO TER

Que vale mais: meu nome de família ou meu Ser?
Que é mais meu: minhas posses externas ou meu íntimo Ser?
Que me é mais importante: meus lucros ou minhas perdas?
Quem prende seu coração a algo está preso.
Quem deseja possuir tesouros é um pobre possesso.
Quem vive satisfeito é feliz com os satisfeitos.
Quem respeita os seus limites não corre perigo.
Isto gera verdadeira serenidade.
De dentro vem o que por fora se revela.


OS PARADOXOS DA VERDADE

Que demanda a perfeição parece ser imperfeito.
Embora a sua oculta plenitude plenifique todas as vacuidades.
Quem possui verdadeira plenitude é inesgotável,
por mais que se esgote.
Quem anda direito, parece torto.
Grande habilidade parece inabilidade.
Arte genuína parece mediocridade.
Movimento supera o frio.
Quietação vence o calor.
O que é puro e reto sempre orienta o mundo.


A SABEDORIA INTERNA

Para conhecer o mundo não é necessário viajar pelo mundo.
Posso conhecer os segredos do mundo sem olhar pela janela do meu quarto.
Quanto mais longe alguém divaga, menor é seu saber.
O sábio atinge sabedoria sem erudição;
Alcança sua meta sem esforço;
Termina sua jornada sem viajar.


PASSIVIDADE DINÂMICA

O conhecedor quer conhecer sempre mais.
Quem se une a Tao, conhece cada vez menos,
e não deseja nada, e acaba não fazendo nada.
E, graças a esse não-fazer-nada,
Tudo é feito através dele.
Destarte, também um reino que constrói,
Pelo não fazer-nada, mas é destruído pelo fazer muito.


O PODER INVISÍVEL DA VIDA

Do abismo de Tao nasce a vida;
É mantida pelo poder da vitalidade, manifestada pela materialidade, e completada pelo livre arbítrio da vida.
Por isto os vivos veneram Tao, não por um mandamento obrigatório, mas pelo impulso do seu interior, porquanto Tao da vida a tudo, faz nascer e crescer tudo na primavera, nutre-o e conserva-o no verão,
Faz amadurecer e completa tudo no outono, e protege-o durante o inverno.
É este o mistério da vigorosa vitalidade interior:
Gerar tudo, sem nada esperar dele,
Servir à vida, sem interesse algum,
Promover tudo, sem o dominar.


O PODER DA VIDA SILENCIOSA

Tao é o seio materno do universo.
Quem conhece sua mãe, sente-se filho seu.
Quem se conhece como filho, vive a vida de sua mãe,
Nem vê detrimento na morte.
Quem refreia os seus sentidos e conserva as suas forças,
Não se esgota.
Mas quem se desgasta, quem se dissipa e dispersa,
Esse vive em vão.
Quem tem a consciência de ser apenas uma centelha,
Esse é iluminado.
Quem em seu dever, permanece maleável e flexível, esse é forte.
Permanece maleável e flexível, quem segue a luz interna.
Esse não sucumbe à morte, é imortal.
Quem vive na essência não se prende a nenhuma aparência.


QUEM É CORRETO NO POUCO É CORRETO NO MUITO

O que é bem arraigado não será desarraigado.
O que é bem conduzido não será seduzido.
O que vive na mente de filhos e netos, não perecerá.
Quem vive fiel ao Eu interno, vive corretamente.
Quem lhe é fiel na família, terá vida em abundância.
Quem lhe é fiel na comunidade, vive permanentemente.
Quem lhe é fiel no povo, sabe que vive pela potência interior.
Quem lhe é fiel na humanidade, sabe que seu eu abrange tudo.
Pelo que: segundo a tua maturidade individual, conhecerás os outros.
Segundo a maturidade de tua família avaliarás as outras famílias.
Tua comunidade é a medida para as outras comunidades.
Por teu povo medirás os outros povos.
Por tua humanidade medirás a Humanidade.
Por onde conheço eu esta lei da ordem?
Por si mesma.


A SERENIDADE DO SÁBIO

Quem sabe, cala.
Quem fala, não sabe.
O sábio vive calado, voltado para dentro de si;
Mitiga o que é agudo, deslinda o que é emaranhado, suaviza o que é violento, nivela-se com o que é singelo.
Assim conscientiza ele a Realidade.
Unifica-se ele com o grande Uno, mantém-se eqüidistante de simpatia e antipatia, indiferente a lucro e perda, acima de louvor e vitupério.
É nisto que ele vê a verdadeira nobreza.


AGIR NÃO AGINDO

Pela retidão se governa um país.
Pela prudência se conduz um exército.
Mas é pelo não agir que é regido o Universo.
Donde sei que assim é?
É evidente por si mesmo.
Quanto mais proibições existem, tanto mais o povo empobrece.
Destrói-se toda a ordem quanto mais os homens procuram os seus interesses pessoais.
Prepara-se a revolução, quando os homens só pensam em si mesmos.
Abundam ladrões e salteadores, quando o governo só confia em leis e decretos para manter a ordem.
Pelo que diz o sábio: Não intervenho!
E eis que por si mesma prospera a vida na sociedade.
Mantenho-me imparcial!
E por si mesmo o povo se endireita.
Não me meto em conchavos!
E por si mesma floresce a ordem.
Não nutro desejos pessoais!
E eis que por si mesmo tudo vai bem.


VER O GRANDE NO PEQUENO

Agir pelo não agir!
Sede ativos na inatividade!
Achai gosto no desgosto!
Vede o grande no pequeno!
Vede o muito no pouco!
Enfrentai o ódio com amor no coração!
Reconhecei o difícil antes que apareça a sua dificuldade!
Realizai o grande amando o pequeno!
Todo o complicado no mundo começa simples!
Todo o grande nasce pequeno!
O sábio não se preocupa com sua salvação e por isto a encontra.
Quem facilmente promete não merece confiança.
Quem age levianamente esbarra com dificuldades.
O sábio prevê as dificuldades, e por isto as supera.


VIVÊNCIA PELAS LEIS CÓSMICAS

O que está em repouso é fácil conservar.
O que é insignificante pode ser facilmente influenciado.
O que é frágil pode ser quebrado facilmente.
O que é leve pode ser levado pelo vento.
A ordem deve ser mantida antes que surja a desordem.
A árvore mais gigantesca nasceu de uma raizinha fina como um cabelo.
Uma torre de nove andares repousa sobre uma pequena área de terra.
Uma viagem de mil léguas começou com o primeiro passo.
Quem faz algo contra a lei tem de falhar.
Quem se apega a algo o perderá.
Por isto, o sábio não é egocêntrico, e por isto nunca falha.
Não se apega a nada, e por isto não perde nada.
Outros falham antes de chegar à meta, porque não esperaram pelo momento oportuno, quem enxerga o início e o fim, esse não falha.
O único desejo do sábio é não ter desejos.
Não deseja nada o que a outros é desejável.
Nem deseja inteligir objetos de inteligência.
O que a outros é insignificante o sábio o considera importante.
Assim estabelece ele a reta ordem em si e nos outros, não agindo jamais em desacordo com as leis cósmicas.


AS TRÊS COISAS PRECIOSAS

Dizem os homens que eu sou grande, como se eu fosse algo especial.
Grande só é quem nada se importa com sua grandeza.
Quem deseja ser grande perante os outros, esse é pequeno.
Três palavras me são sagradas: a primeira é bondade, a segunda suficiência, a terceira modéstia.
A bondade dá força, a suficiência alarga a estreiteza, a modéstia faz do homem um veículo para a atuação das forças eternas.
Hoje em dia não é assim.
O homem não conhece mais bondade, e, ainda assim, se julga forte.
Não tem mais suficiência e só reclama seus direitos;
Ninguém sabe ser modesto, mas só pensa em sucesso.
E isto conduz à ruína.
Quem é realmente bom vence na luta porque é invencível quando o inimigo avança.
Esse homem é amparado pelo céu.


INVENCÍVEL PELA PAZ INTERIOR

O Mestre realmente competente
Convence,
mas não discute.
Um verdadeiro soldado
Luta,
Mas não tem raiva.
Um vencedor real
Supera,
Mas não se irrita.
Um autêntico chefe
Coloca cada homem no seu lugar,
Mas não tiraniza ninguém.
Essa atuação nascida de dentro
Conserva a paz verdadeira,
Pratica a arte sublime
De conduzir os homens suavemente.
É uma atuação oriunda do céu.
Semelhante atuação foi desde sempre
Considerada como a mais alta.


SUPERIORIDADE PELA MODÉSTIA

Quem quer ganhar seu inimigo em terra hostil, não se arvore em dono de casa, mas porte-se como hóspede em casa alheia;
Prefira sempre recuar um metro a avançar um centímetro.
Assim ele progride sem marchar.
Assim pode reprimir sem ameaçar.
Assim pode avançar sem lutar.
Assim pode tomar posse sem usar armas.
Não há mal maior do que desprezar o inimigo;
Quem menospreza o inimigo perde os seus tesouros.
Se dois exércitos forem iguais, quem vence é o mais sensato.


IGNORAR SUA IGNORÂNCIA

Quem conhece a sua ignorância
Revela a mais alta sapiência.
Quem ignora a sua ignorância
Vive na mais profunda ilusão.
Não sucumbe à ilusão
Quem conhece a ilusão como ilusão.
O sábio conhece o seu não-saber
E essa consciência do não-saber
O preserva de toda a ilusão.


MENTALIZAR O MAL É PERIGOSO

Quando o homem não mentaliza o mal, o mal não lhe acontece.
Deixa o mal no berço da maldade, e o mal não desgraça o homem.
Ainda que o sábio conheça o seu valor, não exibe valores.
Ainda que conheça a sua dignidade, não reclama dignidades.
Ele conhece as suas possibilidades, por isto não exorbita dos seus limites.


MATAR OU DEIXAR VIVER

Alguns são assaz corajosos para terem a coragem de matar.
Outros são assaz corajosos para parecerem covardes e terem a coragem de conservar a vida.
Matar e deixar viver – tanto isto como aquilo é por vezes considerado mau.
Quem ousaria dizer qual o critério das potências eternas?
Nem o sábio o sabe e, na dúvida, entrega tudo ao Tao do infinito.
Mas o infinito se revela assim:
Ele prevalece – sem violência.
Ele dá ordem – sem comando.
Ele atrai – sem se impor.
Atua com finalidade – mas sem interesse.
É uma rede de malhas largas, mas nada lhe escapa.


VIDA E MORTE

Se um povo não teme a morte, quem pode então governar com pena de morte?
Mas, se teme a morte, quem ousaria cometer um crime de morte?
Há sempre um juiz que decrete e execute a pena de morte.
Mas, se qualquer um se arvora em juiz sobre a vida e a morte, quando somente Tao é juiz, esse se parece com alguém que, em vez de um perito que sabe usar o machado, o usa – e se corta a mão.


O PODER DA VIDA

Tenro e flexível é o homem quando nasce,
Duro e rígido quando morre.
Tenras e flexíveis são as plantas,
Quando começam,
Duras e rígidas quando terminam.
Rígido e duro o que sucumbe à morte,
Tenro e plasmável o que é repleto de vida.
Quem julga ser forte só pelas armas,
Não vencerá.
Árvores que parecem possantes
Sempre se aproximam do fim.
Pelo que vale isto:
O que parece grande e forte
Já está a caminho da decadência.
Mas o que é pequeno e plasmável,
Isto cresce.


A LEI DA COMPENSAÇÃO

A atuação de Tao é como um arco:
Desarma os poderosos e arma os humildes.
Diminui onde há demais, e aumenta onde há de menos .
Assim é a atuação de Tao: tira da plenitude e enche a vacuidade.
Não é assim que os homens agem: diminuem onde já há pouco, e acrescentam onde já há muito.
Quem está baseado no céu de Tao, oferece aos outros da sua plenitude.
Por isto age o sábio:
Sem nada pretender para si,
Sem se apegar à sua obra.
Sem nada querer ser,
Sem nada querer Ter.


DEVERES E DIREITOS

Que adianta extinguir grandes ódios, quando ficam ressentimentos?
Como remediar isto?
Cumpre teu dever e esquece teus direitos.
Quem se guia pela voz da consciência, só atende à voz do dever, e não insiste em seus direitos.
Os poderes eternos não tem favoritos, mas favorecem sempre os bons.


SABEDORIA PELO DESAPEGO

Palavras verdadeiras não são lisonjeiras.
Palavras lisonjeiras não são verdadeiras.
O homem de bem não fala muito.
Quem fala muito não é homem de bem.
Homens sábios não são eruditos,
Homens eruditos não são sábios.
Quem trilha o caminho da perfeição, não acumula tesouros.
Riqueza é para o sábio o que ele faz pelos outros.
Quanto mais ele dá aos outros, tanto mais rico se torna.
Assim como de Tao brota a vida, assim age o sábio sem ferir ninguém.


REFERÊNCIAS


LAO-TSE. Tao Te King: o livro que revela deus. Tradução e notas de Humberto Rohden. 9 ed. ilustrada. São Paulo: Alvorada, c1990.

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