[...] a educação, como prática da liberdade, é um ato de conhecimento, uma aproximação crítica da realidade. p. 25
Num primeiro momento a realidade não se dá aos homens como objeto cognoscível por sua consciência crítica. Noutros termos, na aproximação expontânea que o homem faz do mundo, a posição normal fundamental não é uma posição crítica mas uma posição ingênua. A este nível espontâneo, o homem ao aproximar-se da realidade faz simplesmente a experiência da realidade na qual ele está e procura. p. 26
A conscientização não pode existir fora da “práxis”, ou melhor, sem o ato ação-reflexão. Esta unidade dialética constitui, de maneira permanente, o modo de ser ou de transformar o mundo que caracteriza os homens. Por isso mesmo, a conscientização é um compromisso histórico. É também cosciência histórica: é inserção crítica na história, implica que os homens assumam o papel de sujeitos que fazem e refazem o mundo. Exige que os homens criem sua existência com um material que a vida lhes oferece. p. 26
A conscientização, como atitude crítica dos homens na história, não terminará jamais. Se os homens, como seres que atuam, continuam aderindo a um mundo “feito”, ver-se-ão submersos numa nova obsecuridade. p. 27
[...] o processo de alfabetização política – como o processo linguístico – pode ser uma prática para a “domesticação dos homens”, ou uma prátca para sua libertação. [...] Daí uma ação desumanizante, de um lado, e um esforço de humanização, de outro. p. 27
A conscientização nos convida a assumir uma posição utópica frente ao mundo, posição esta que converte o conscientizado em “fator utópico”. Para mim o utópico não é o irrealizável; a utopia não é o idealismo, é a dialetização dos atos de denunciar e anunciar, o ato de denunciar a estrutura desumanizante e de anunciar a estrutura humanizante. Por esta razão a utopia é também um compromisso histórico. p. 27
A utopia exige o conhecimento crítico. É um ato de conhecimento. Eu não posso denunciar a estrutura desumanizante se não a penetro para conhecê-la. Não posso anunciar se não conheço, mas entre o momento do anúncio e a realização do mesmo existe algo que deve ser destacado: é que o anúncio não é anúncio de um anteprojeto, porque é na práxis histórica que o anteprojeto se torna projeto. É atuando que posso transformar meu anteprojeto em projeto; na minha biblioteca tenho um anteprojeto que se faz projeto por meio da práxis e não por meio do blábláblá. p. 28
Além disso, entre o anteprojeto e o momento da realização ou da concretização, há um tempo que se denomina tempo histórico; é precisamente a história que devemos criar com nossas mãos e que devemos fazer; é o tempo das transformações que devemos realizar; é o tempo do meu compromisso histórico. [...] Somente podem ser proféticos os que anunciam e denunciam, comprometidos permanentemente num processo radical de transformação do mundo, para que os homens possam ser mais. Os homens reacionários, os homens opressores não podem ser utópicos. Não podem ser proféticos e, portanto, não podem ter esperança. p. 28
Os homens enquanto “seres-em-situação” encontram-se submersos em condições espaço-temporais que influem neles e nas quais eles igualmente influem. [...] Refletirão sobre seu caráter de seres situados, na medida em que sejam desafiados a atuar. Os homens são porque estão situados. Quanto mais refletirem de maneira crítica sobre sua existência, e mais atuarem sobre ela, serão mais homens. p. 33
Cada relação de um homem com a realidade é [...] um desafio ao qual deve responder de maneira original. [...] O importante é advertir que a resposta que o homem dá a um desafio não muda só a realidade com a qual se confronta: a resposta muda o próprio homem, cada vez um pouco mais, e sempre de modo diferente. [...] pela ação e na ação, é que o homem se constrói como homem. p. 37
PRÁXIS DA LIBERTAÇÃO
Mas quase sempre, durante a fase inicial do combate, em lugar de lutar pela liberdade, os oprimidos tendem a converter-se eles mesmos em opressores ou em “subopressores”. A própria estrutura de seu pensamento viu-se condicionada pelas contradições da situação existencial concreta que os manipulou. Seu ideal é serem homens, mas, para eles, serem homens é serem opressores. Este é seu modelo de humanidade. Tal fenômeno provém de que os oprimidos, num dado momento de sua experiência existencial, adotam uma atitude de “adesão” em relação ao opressor. Nestas condições lhes é impossível “vê-lo” com suficiente lucidez para objetivá-lo, para descobri-lo “fora de si mesmos”. p. 57-58
Em sua alienação, os oprimidos querem a todo custo parecer-se com o opressor, imitá-lo, segui-lo. Este fenômeno é comum, sobretudo nos oprimidos de classe média, que aspiram igualar-se aos homens “eminentes” da classe superior. Alberto Memmi, numa excepcional análise da “mentalidade colonizada”, refere-se ao desprezo que o oprimido sente pelo colonizador, juntamente com uma “apaixonada” atração por ele. p. 60
O desprezo por si mesmo é outra característica do oprimido, que provém da interiorização da opinião dos opressores sobre ele. Ouvem dizer tão frequentemente que não servem para nada, que não podem aprender nada, que são débeis, preguiçosos e improdutivos que acabam por convencer-se de sua própria incapacidade. p. 61
[...] os oprimidos são emocionalmente dependentes. p. 61
Ser silencioso não é não ter uma palavra autêntica, mas seguir as prescrições daqueles que falam e impõem sua voz. Alcançar o estado de “ser-para-si-mesmos” representa para as sociedades subdesenvolvidas o que eu chamo a possibilidade “não-experimentada”. p. 62
[...] a modernização traz consigo “a invasão cultural” que deforma o ser da sociedade invadida, a qual chega a ser uma espécie de caricatura de si mesma. p. 63
[...] Da mesma forma que há um momento de surpresa nas massas quando começam a ver o que antes não viam, há uma surpresa correspondente nas elites quando começam a sentir-se desmascaradas pelas massas. Este duplo “des-velar-se” provoca inquietudes tanto nuns como noutros. As massas chegam a sentir-se desejosas de liberdade, desejosas de superar o silêncio no qual sempre haviam permanecido. As elites sentem-se desejosas de manter o “status quo”, não permitindo senão transformações superficiais para impedir toda mudança real em seu poder de dominar. p. 69
[...] As artes deixam progressivamente de ser a simples expressão da vida fácil da burguesia rica e começam a encontrar inspiração na dura vida do povo. Os poetas começam a não descrever meramente seus amores perdidos – ou então, o tema do amor perdido chega a ser menos triste, mais objetivo e mais lírico - , não falam já do trabalhador dos campos como de um conceito abstrato e metafísico, mas como de um homem concreto que vive uma vida concreta. p. 69
REFERÊNCIA
FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação: uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. 3. ed. São Paulo: Centauro, 1980. 102 p.
Num primeiro momento a realidade não se dá aos homens como objeto cognoscível por sua consciência crítica. Noutros termos, na aproximação expontânea que o homem faz do mundo, a posição normal fundamental não é uma posição crítica mas uma posição ingênua. A este nível espontâneo, o homem ao aproximar-se da realidade faz simplesmente a experiência da realidade na qual ele está e procura. p. 26
A conscientização não pode existir fora da “práxis”, ou melhor, sem o ato ação-reflexão. Esta unidade dialética constitui, de maneira permanente, o modo de ser ou de transformar o mundo que caracteriza os homens. Por isso mesmo, a conscientização é um compromisso histórico. É também cosciência histórica: é inserção crítica na história, implica que os homens assumam o papel de sujeitos que fazem e refazem o mundo. Exige que os homens criem sua existência com um material que a vida lhes oferece. p. 26
A conscientização, como atitude crítica dos homens na história, não terminará jamais. Se os homens, como seres que atuam, continuam aderindo a um mundo “feito”, ver-se-ão submersos numa nova obsecuridade. p. 27
[...] o processo de alfabetização política – como o processo linguístico – pode ser uma prática para a “domesticação dos homens”, ou uma prátca para sua libertação. [...] Daí uma ação desumanizante, de um lado, e um esforço de humanização, de outro. p. 27
A conscientização nos convida a assumir uma posição utópica frente ao mundo, posição esta que converte o conscientizado em “fator utópico”. Para mim o utópico não é o irrealizável; a utopia não é o idealismo, é a dialetização dos atos de denunciar e anunciar, o ato de denunciar a estrutura desumanizante e de anunciar a estrutura humanizante. Por esta razão a utopia é também um compromisso histórico. p. 27
A utopia exige o conhecimento crítico. É um ato de conhecimento. Eu não posso denunciar a estrutura desumanizante se não a penetro para conhecê-la. Não posso anunciar se não conheço, mas entre o momento do anúncio e a realização do mesmo existe algo que deve ser destacado: é que o anúncio não é anúncio de um anteprojeto, porque é na práxis histórica que o anteprojeto se torna projeto. É atuando que posso transformar meu anteprojeto em projeto; na minha biblioteca tenho um anteprojeto que se faz projeto por meio da práxis e não por meio do blábláblá. p. 28
Além disso, entre o anteprojeto e o momento da realização ou da concretização, há um tempo que se denomina tempo histórico; é precisamente a história que devemos criar com nossas mãos e que devemos fazer; é o tempo das transformações que devemos realizar; é o tempo do meu compromisso histórico. [...] Somente podem ser proféticos os que anunciam e denunciam, comprometidos permanentemente num processo radical de transformação do mundo, para que os homens possam ser mais. Os homens reacionários, os homens opressores não podem ser utópicos. Não podem ser proféticos e, portanto, não podem ter esperança. p. 28
Os homens enquanto “seres-em-situação” encontram-se submersos em condições espaço-temporais que influem neles e nas quais eles igualmente influem. [...] Refletirão sobre seu caráter de seres situados, na medida em que sejam desafiados a atuar. Os homens são porque estão situados. Quanto mais refletirem de maneira crítica sobre sua existência, e mais atuarem sobre ela, serão mais homens. p. 33
Cada relação de um homem com a realidade é [...] um desafio ao qual deve responder de maneira original. [...] O importante é advertir que a resposta que o homem dá a um desafio não muda só a realidade com a qual se confronta: a resposta muda o próprio homem, cada vez um pouco mais, e sempre de modo diferente. [...] pela ação e na ação, é que o homem se constrói como homem. p. 37
PRÁXIS DA LIBERTAÇÃO
Mas quase sempre, durante a fase inicial do combate, em lugar de lutar pela liberdade, os oprimidos tendem a converter-se eles mesmos em opressores ou em “subopressores”. A própria estrutura de seu pensamento viu-se condicionada pelas contradições da situação existencial concreta que os manipulou. Seu ideal é serem homens, mas, para eles, serem homens é serem opressores. Este é seu modelo de humanidade. Tal fenômeno provém de que os oprimidos, num dado momento de sua experiência existencial, adotam uma atitude de “adesão” em relação ao opressor. Nestas condições lhes é impossível “vê-lo” com suficiente lucidez para objetivá-lo, para descobri-lo “fora de si mesmos”. p. 57-58
Em sua alienação, os oprimidos querem a todo custo parecer-se com o opressor, imitá-lo, segui-lo. Este fenômeno é comum, sobretudo nos oprimidos de classe média, que aspiram igualar-se aos homens “eminentes” da classe superior. Alberto Memmi, numa excepcional análise da “mentalidade colonizada”, refere-se ao desprezo que o oprimido sente pelo colonizador, juntamente com uma “apaixonada” atração por ele. p. 60
O desprezo por si mesmo é outra característica do oprimido, que provém da interiorização da opinião dos opressores sobre ele. Ouvem dizer tão frequentemente que não servem para nada, que não podem aprender nada, que são débeis, preguiçosos e improdutivos que acabam por convencer-se de sua própria incapacidade. p. 61
[...] os oprimidos são emocionalmente dependentes. p. 61
Ser silencioso não é não ter uma palavra autêntica, mas seguir as prescrições daqueles que falam e impõem sua voz. Alcançar o estado de “ser-para-si-mesmos” representa para as sociedades subdesenvolvidas o que eu chamo a possibilidade “não-experimentada”. p. 62
[...] a modernização traz consigo “a invasão cultural” que deforma o ser da sociedade invadida, a qual chega a ser uma espécie de caricatura de si mesma. p. 63
[...] Da mesma forma que há um momento de surpresa nas massas quando começam a ver o que antes não viam, há uma surpresa correspondente nas elites quando começam a sentir-se desmascaradas pelas massas. Este duplo “des-velar-se” provoca inquietudes tanto nuns como noutros. As massas chegam a sentir-se desejosas de liberdade, desejosas de superar o silêncio no qual sempre haviam permanecido. As elites sentem-se desejosas de manter o “status quo”, não permitindo senão transformações superficiais para impedir toda mudança real em seu poder de dominar. p. 69
[...] As artes deixam progressivamente de ser a simples expressão da vida fácil da burguesia rica e começam a encontrar inspiração na dura vida do povo. Os poetas começam a não descrever meramente seus amores perdidos – ou então, o tema do amor perdido chega a ser menos triste, mais objetivo e mais lírico - , não falam já do trabalhador dos campos como de um conceito abstrato e metafísico, mas como de um homem concreto que vive uma vida concreta. p. 69
REFERÊNCIA
FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação: uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. 3. ed. São Paulo: Centauro, 1980. 102 p.
A INSPIRAÇÃO DE UM HOMEM HUMANIZADO NA ARTICULAÇÃO ENTRE O PENSAMENTO E A PALAVRA.
ResponderExcluirMAGNÍFICO.
Se prestarmos atenção, veremos que vários trechos correspondem exatamente aos acontecimentos mais recentes como por exemplo nos protestos no Egito. Muito bom mesmo.
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