Um livro é um mudo que fala, um surdo que responde, um cego que guia, um morto que vive. (Padre Antônio Vieira)

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Facebook dos mortos



 
O empresário brasiliense Thiago Vinícius Corrêa, de 24 anos, resolveu driblar as consequências da morte e criar uma maneira de manter vivas e ativas as experiências de pessoas que já partiram. Ele criou uma rede social exclusiva para falecidos, com direito a fotos, músicas, biografia e a localização via satélite da lápide no cemitério. O Memorial Online traz ainda semelhanças ao extinto Orkut: familiares e amigos podem deixar testemunhos em um mural particular de tributos.
O serviço entrou em vigor em 2 de novembro, Dia de Finados. Com menos de um mês, já tinha mais de 300 inscrições. A ideia surgiu do trabalho com empresas funerárias e ficou mais forte após experiências pessoais. Foram necessários 12 meses para colocá-la em prática.
"Em uma de minhas visitas aos familiares em Minas [Gerais], estávamos conversando e trocando lembranças sobre minha bisavó. Quanto mais o papo seguia, mais nos divertíamos com as lembranças. Minha avó pegou uma caixa antiga, e de lá saíram várias fotos, a maioria eu nem sabia que existia", conta o rapaz.
De acordo com o empresário, são pelo menos dez pessoas trabalhando no memorial, incluindo o diretor comercial e o de arte. A página é, em geral, criada e administrada pela própria família do homenageado. O custo varia entre R$ 90 e R$ 290, dependendo das opções escolhidas pelo cliente. Há, ainda, uma taxa anual de R$ 2,99 para a retirada de um banner de patrocínio e de R$ 20 para aviso de missa de sétimo dia e aniversário de morte.
"[O que eu queria era] Tornar a memória acessível de qualquer lugar, criar um banco de memórias onde todos pudessem compartilhar um pouquinho da lembrança que guardam e manter a história do ente querido viva, protegida do desgaste do tempo", explica Corrêa. "Com a lápide digital que é adquirida junto ao serviço, quem visita o túmulo tem mais que uma lápide fria para contemplar. Pode ter acesso às memórias, fotos e vídeos e às homenagens deixadas por outras pessoas."
Corrêa diz ter intenção de ampliar os serviços oferecidos pelo memorial, que atualmente conta com 15 funerárias parceiras. Para montar o perfil, que não tem prazo para expirar, são necessárias informações básicas: nome do homenageado, datas de nascimento e morte, biografia, foto e local do enterro.
Sentindo falta do irmão, morto em 1998 após uma descarga elétrica, a biomédica Eloiza Helena Ferreira da Silva foi uma das pessoas que decidiu contratar o serviço. Ela soube do memorial quando ajudou uma amiga que perdeu um tio recentemente.
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Perfil de Jorge de Araújo Ferreira, criado pela irmã e biomédica Eloiza Helena (Foto: Memorial Online/Reprodução)Perfil de Jorge de Araújo Ferreira, criado pela irmã e
biomédica Eloiza Helena (Foto: Memorial Online/Reprodução)
"Posso escrever as emoções que vivemos juntos, demonstrar todo amor que tenho por ele e o quão importante ele é em minha vida. A saudade fica mais doce quando escrevo sobre ele. A ausência permanece, porém mais suave, quando falo dele e relembro nossos momentos juntos", explica a moradora de Taguatinga.
Eloiza conta que a ideia foi bem recebida pela família e que pretende fazer o mesmo no futuro, caso perca outra pessoa próxima. Ela também diz que gostaria de ser prestigiada da mesma forma.
"Já fazia essas homenagens em minha rede social. Agora, com uma rede específica, fica mais fácil de os amigos compartilharem suas emoções e, quando forem visitar o túmulo dele, conseguem localizar pelo aplicativo com auxilio do GPS do celular", afirma a mulher.
O fundador do serviço diz que ainda não há um padrão entre as pessoas que o procuram. O mais novo entre os membros da rede social morreu aos 2 anos, e o mais velho, aos 83. O próprio empresário criou perfis de famosos para divulgar o trabalho, incluindo o do ex-governador Eduardo Campos e o do ator Robin Williams.
[O objetivo era] criar um banco de memórias onde todos pudessem compartilhar um pouquinho da lembrança que guardam e manter a história do ente querido viva protegida do desgaste do tempo"
Thiago Vinícius Corrêa,
fundador do Memorial Online
Segundo ele, o tempo médio para criação de uma conta é de 30 minutos. Os clientes têm levado, no entanto, entre 5 dias e 3 semanas para reunir as fotos e montar a biografia. "Nem sempre todas as informações se concentram com apenas um membro da família", explica Corrêa.
O jovem conta que chega a receber cem pedidos de informações por semana sobre as atividades prestadas pelo memorial. Entre os objetivos futuros do empresário está a criação de uma área do site dedicada apenas a animais domésticos.
Luto e superação
Para a psicóloga Cynthia Carvalho, a opção por criar um perfil vem da necessidade de "preencher um vazio". "[Funciona] Como uma forma de enganar a si mesmo sobre uma realidade difícil de ser enfrentada, um mecanismo de defesa para suportar a dor gerada com essa morte."
A profissional defende que o saudável é que as pessoas aprendam a lidar com esse sofrimento, inclusive buscando ajuda em terapias convencionais. Ela também destaca a importância da web nos dias atuais para que as pessoas se comuniquem e se expressem a respeito do que vivem.
"A necessidade em utilizar esse serviço é de quem busca, de alguma forma, suportar ou pensar que está aliviando um sofrimento. É complicado definir se isso faz bem ou mal", diz. "Costumo dizer que o luto vivido por motivos da morte de um ente querido é eterno. Porém, o que não se pode prolongar é o sofrimento. Esse sim paralisa o ser humano e pode levar à depressão, síndrome do pânico, ansiedade e outras patologias que são interferentes na saúde das pessoas."
O 'lado de lá' da família, sentiu-se preterido por termos feito de um avô [materno] sendo que o avô [paterno] também já é falecido, só que mais recentemente. Então agora a família toda está empenhada em reunir fotografias e histórias para compor a biografia do outro avô. Agora temos o dever, em respeito ao princípio da igualdade, de criar o perfil do avô Elias.Após esse, quero ficar pelo menos 50 anos sem nenhum sinistro na família"
Felismino Alves Ferreira Junior,
advogado que administra o perfil do avô
Morador de uma cidade do Entorno do DF, o advogado Felismino Alves Ferreira Junior, de 26 anos, tem uma ideia diferente. Ele administra o perfil do avô materno, que morreu em agosto de 2000 de parada cardiorrespiratória. Na época, o idoso fazia tratamento contra um câncer no esôfago.
"O perfil serve para reunir histórias, fotografias, demonstrar que a dor não passou e que a saudade apenas amenizou. O memorial ajuda a conviver com a saudade, ajuda a preservar as histórias. Serve também para contar aos mais jovens da família, de uma forma que eles gostam, online, quem foram os indivíduos atores da história da família. Em outras palavras, é uma árvore genealógica moderna. Penso que cada um tem sua forma de lidar com a dor da perda, da saudade. Nosso modo é tratar com naturalidade, falar da pessoa e nos referirmos a ela como sempre fizemos, sem qualquer traço de sombra ou tristeza. Mas é claro, isso demanda algum tempo", explica o jovem.
O advogado conta que alguns conhecidos estranharam a homenagem no início, mas que a maioria das pessoas aprovou a ideia. No fim, o lado paterno da família sentiu ciúmes e quis ser contemplado com a mesma atitude, já que o outro avô também já havia morrido.
"O 'lado de lá' da família, sentiu-se preterido por termos feito de um avô [materno] sendo que o avô [paterno] também já é falecido, só que mais recentemente. Então agora a família toda está empenhada em reunir fotografias e histórias para compor a biografia do outro avô. [...] Agora temos o dever, em respeito ao princípio da igualdade, de criar o perfil do avô Elias. Após esse, quero ficar pelo menos 50 anos sem nenhum sinistro na família", brinca.

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