Um livro é um mudo que fala, um surdo que responde, um cego que guia, um morto que vive. (Padre Antônio Vieira)

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

A condição pós-moderna, HARVEY, David

HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 9. ed. Tradução de Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves. São Paulo: Loyola, 2000.


George Simmel [...] contemplou a questão de como poderia responder psicológica e intelectualmente à incrível diversidade de experiências e de estímulos a que a vida urbana moderna nos expunha [...] com um grau muito maior de liberdade individual [...] às custas de tratar os outros em termos objetivos e instrumentais [...] também nos submetemos a uma rigorosa disciplina do nosso sentido de espaço e de tempo, rendendo-nos à hegemonia da racionalidade econômica calculista [...] a rápida urbanização produziu o que ele chamou de “atitude blasé”, porque somente afastando os complexos estímulos advindos da velocidade da vida moderna poderíamos tolerar os seus estímulos. Nossa única saída [...] é cultivar um falso individualismo através da busca de sinais de posição, de moda, ou marcas de excentricidade individual. A moda [...] combina “a atração da diferenciação e da mudança com a similaridade” e conformidade”, “quanto mais nervosa uma época, tanto mais rapidamente mudam as suas modas, porque a necessidade de atração da diferenciação, um dos agentes essenciais da moda, é acompanhada de perto pelo enlanguescer de energias nervosas”. (citado em Frisby, 1985, 98) p. 34

A imagem, a aparência, o espetáculo podem ser experimentados com uma intensidade (júbilo ou terror) possibilitadas apenas pela sua apreciação como presentes puros e não relacionadas no tempo. Por isso, o que importa “se o mundo perde assim, momentaneamente, sua profundidade e ameaça tornar-se uma pele lisa, uma ilusão estereoscópica, uma sucessão de imagens fílmicas sem densidade?” (Jameson, 1984b). O caráter imediato dos eventos, o sensacionalismo do espetáculo (político, científico, militar, bem como de diversão) se tornam a matéria de que a consciência é forjada. p. 57

A “aura” modernista do artista como produtor é dispensada. “A ficção do sujeito criador cede lugar ao franco confisco, citação, retirada, acumulação e repetição de imagens já existentes”. (Crimp, 1983, 44-5)

A democratização do gosto […] fortaleceu os direitos de formação da própria identidade até dos relativamente desprivilegiados, diante de um comercialismo poderosamente organizado. p. 63

A televisão Taylor, 1987, apud p. 63 primeiro meio cultural […] a apresentar as realizações […] do passado como uma colagem coesa de fenômenos equi-importantes e de existência simultânea, bastante divorciados da geografia e da história material. p. 63

Causa pouca surpresa que a relação do artista com a história [...] tenha mudado, que, na era da televisão de massa, tenha surgido um apego antes às superfícies do que às raízes, à colagem em vez do trabalho em profundidade, a imagens citadas superpostas e não às superfícies trabalhadas, a um sentido de tempo e de espaço decaído em lugar do artefato cultural solidamente realizado. E todos esses elementos são aspectos vitais da prática artística na condição pós-moderna. p. 63

[...] a televisão é ela mesma um produto do capitalismo avançado e, como tal, tem de ser vista no contexto da promoção de uma cultura do consumismo. Isso dirige a nossa atenção para a produção de necessidades e desejos, para a mobilização do desejo e da fantasia, para a política da distração como parte do impulso para manter nos mercados de consumo uma demanda capaz de conservar a lucratividade da produção capitalista. p. 64

Charles Newman (1984, 9) vê boa parte da estética pós-modernista como uma resposta ao surto inflacionário do capitalismo avançado. “A inflação” [...] “afeta a troca de idéias tão certamente quanto afeta os mercados comerciais” [...] “somos testemunhas das contínuas batalhas intestinas e mudanças espasmódicas na moda, na exibição simultânea de todos os estilos passados em sua infinitas mutações e na contínua circulação de elites intelectuais diversas e contraditórias, o que assinala o reino do culto da criatividade em todas as áreas do comportamento, uma receptividade não crítica sem precedentes à Arte, uma tolerância que, no final, equivale à indiferença”. Desse ponto de vista, conclui Newman, “a celebrada fragmentação da arte já não é uma escolha estética: é somente um aspecto cultural do tecido social e econômico” p. 64

Produção de uma cultura do consumismo. p. 64

Charles Newman, 1984, apud p. 64
A inflação afeta a troca de déias tão certamente como afeta os mercados comerciais. Assim, somos testemunhas […] das mudanças espasmódicas na moda, na exibição simultânea de todos os estilos passados em suas infinitas mutações e na contínua circulação de elites intelectuais diversas e contraditórias, o que assinala o reino do culto da criatividade em todas as áreas do comportamento, uma receptividade não crítica sem precedentes à Arte, uma tolerância que, no final, equivale à indiferença.

[…] virtual tomada da arte pelos grandes interesses corporativos […] as corporações se toraram, em todos os aspectos, os principais patrocinadores da arte. [...] a arte tem uma condição de mercadoria totalmente clara. (Crimp, 1987, 85) apud p. 64

O desenvolvimento de uma cultura de museu (na Inglaterra é aberto um museu a cada três semanas e, no Japão, mais de 500 foram abertos nos últimos quinze anos) e uma florescente “indústria da herança” que se iniciou no começo dos anos 70 dão outra virada populista [...] à comercialização da história e de formas culturais. “O pós-modernismo e a indústria da herança estão ligados”, diz Hewison (1987, 135), já que “ambos conspiram para criar uma tela oca que intervém entre a nossa vida presente e a nossa história”. A história se torna “uma criação contemporânea, antes um drama e uma re-representação de costumes do que discurso crítico”. Estamos, conclui ele, citando Jameson, “condenados a procurar a História através das nossas próprias imagens e simulacros pop dessa história, história que permanece sempre fora do alcance”. A casa já não é vista como máquina, mas como “uma antiguidade na qual viver”. p. 64-65

A invocação de Jameson nos traz, por fim, à sua ousada tese de que o pós-modernismo não é senão a lógica cultural do capitalismo avançado. p. 65

Seguindo Mandel (1975), ele alega que passamos para uma nova era a partir do início dos anos 60, quando a produção da cultura “tornou-se integrada á produção de marcadoiras em geral: a frenética urgência de produzir novas ondas de bens com aparência cada vez mais nova (de roupas a aviões), em taxas de transferência cada vez maiores, agora atribui uma função estrutural cada vez mais essencial à inovação e à experimentação estéticas”. As lutas antes travadas exclusivamente na arena da produção se espalharam, em conseqüência disso, tornando a produção cultural uma arena de implacável conflito social. p. 65

No campo da arquitetura e do projeto urbano, considero o pós-modernismo no sentido amplo como uma ruptura com a idéia modernista de que o planejamento e o desenvolvimento devem concentrar-se em planos urbanos de larga escala, de alcance metropolitano, tecnologicamente racionais e eficientes, sustentados por uma arquitetura absolutamente despojada [...]. O pós-modernismo cultiva, em vez disso, um “palimpsesto” de formas passadas superpostas umas às outras e uma “colagem” de usos correntes, muitos dos quais podem ser efêmeros. Como é impossível comandar a metrópole exceto aos pedaços, o projeto urbano (o observe-se que os pós-modernistas entes projetam do que planejam) deseja somente ser sensível às tradições vernáculas, às histórias locais, aos desejos, necessidades e fantasias particulares, gerando formas arquitetônicas especializadas, e até altamente sob medida, que podem variar dos espaços íntimos e personalizados ao esplendor do espetáculo, passando pela monumentalidade adicional. Tudo isso pode florescer pelo recurso a um notável ecleticismo de estilos arquitetônicos. p. 69

A aparência de uma cidade e o modo como os seus espaços se organizam formam uma base material a partir da qual é possível pensar, avaliar e realizar uma gama de possíveis sensações e práticas sociais. [...] Inversamente, a arquitetura e o projeto urbano têm sido foco de um considerável debate polêmico sobre as maneiras pelas quais os juízos estéticos podem ou devem ser incorporados a uma forma especialmente fixada e com que efeitos na vida diária. Se experimentarmos a arquitetura como comunicação, se, como Barthes (1975-92) insiste, “a cidade é um discurso e esse discurso é na verdade uma linguagem”, então temos de dar estreita atenção ao que está sendo dito, em particular porque é típico absorvermos essas mensagens em meio a todas as outras múltiplas distrações da vida urbana. p. 70

A ênfase dos ricos no consumo levou [...] a uma ênfase muito maior na diferenciação de produtos no projeto urbano. Ao explorarem os domínios dos gostos e preferências estéticas diferenciados [...] os arquitetos e planejadores urbanos reenfatizaram um forte aspecto da acumulação de capital: a produção e consumo do que Bourdieu (1977; 1984) chama de “capital simbólico”, [...] definido como “o acúmulo de bens de consumo suntuosos que atestam o gosto e a distinção de quem os possui”. Esse capital se transforma, com efeito, em capital-dinheiro, que “produz seu efeito próprio quando, e somente quando, oculta o fato de se originar em formas 'materiais' de capital”. O fetichismo (a preocupação direta com aparências superficiais que ocultam significados subjacentes) é evidente, mas serve aqui para ocultar deliberadamente, através dos domínios da cultura e do gosto, a base real das distinções econômicas. Como “os efeitos ideológicos mais bem-sucedidos são os que não tem palavras e não pedem mais do que o silêncio cúmplice”, a produção do capital simbólico serve a funções ideológicas porque os mecanismos por meio dos quais ela contribui “para a reprodução das ordem estabelecida e para a perpetuação da dominação permanecem ocultos”.
[...]
A procura de meios de comunicar distinções sociais através da aquisição de todo tipo de símbolos de status há muito é uma faceta central da vida urbana. p. 81

Mas creio ser razoável dizer que o impulso modernista – parcialmente por razões práticas, técnicas e econômicas, mas também ideológicas – de fato se deu ao trabalho de reprimir a significação do capital simbólico na vida urbana. A inconsistência dessa democratização e desse igualitarismo forçado do gosto diante das distinções sociais típicas do que, afinal, permanecia uma sociedade capitalista vinculada a classes sem dúvida criou um clima de demanda reprimida, senão de desejo reprimido (parte do qual foi expressa nos movimentos culturais dos anos 60). [...]. “Para o suburbano de classe média”, observam Venturi et al., “ viver não numa mansão de antes da guerra, mas numa versão menor érdida num enorme espaço, a identidade deve vir do tratamento simbólico da forma da casa, seja pela estilização oferecida pelo agente de desenvolvimento [...] ou por uma variedade de ornamentos simbólicos aplicados depois pelo proprietário.”

A destruição e a demolição, a expropriação e as rápidas mudanças do uso como resultado da especulação e da obsolescência são os sinais mais reconhecíveis da dinâmica urbana. Muito além de tudo isso, as imagens sugerem o destino ininterrupto do indivíduo, de sua participação frequentemente triste e difícil no destino do coletivo (Rossi, 1982, 22)

Feira da Cidade: Espetáculo urbano administrado e controlado. p. 90

Os capitalistas podem utilizar seus direitos de modo estratégico para impor todo tipo de condições ao trabalhador. Este último costuma estar alienado do produto, do comando do processo de produção, bem como da capacidade de realizar o valor do fruto de seus esforços – esse valor é apropriado pelo capitalista como lucro. O capitalista tem o poder (que de forma alguma é arbitrário ou total) de mobilizar os poderes da cooperação, da divisão do trabalho e do maquinário como poderes do capital sobre o trabalho. Disso resulta uma detalhada divisão organizada do trabalho na fábrica, o que reduz o trabalhador a um fragmento de pessoa. p. 101

“O reino da liberdade só começa de fato quando o trabalho determinado pela necessidade e pelas considerações mundanas deixa de existir... Depois disso, começa o desenvolvimento da energia humana que é um fim em si mesmo, o verdadeiro reino da liberdade” Marx apud p. 107


Mudanças na maneira como imaginamos, pensamos, planejamos e racionalizamos estão fadadas a ter conseqüências materiais. A ampla gama do pós-modernismo só pode fazer sentido nesses termos bem amplos da conjugação entre mimese e intervenção estética. p. 110

A retórica do pós-modernismo é perigosa, já que evita o enfrentamento das realidades da economia política e das circunstâncias do poder global. A ingenuidade da “proposta radical” de Lyotard, de franquear o acesso de todos aos bancos de dados como prólogo para uma reforma radical (como se todos fôssemos ter igual poder de aproveitar essa oportunidade), é instrutiva, porque indica que mesmo o mais resoluto dos pós-modernistas no final tem de decidir se faz algum gesto universalizante (como o apelo de Lyotard a algum conceito prístino de justiça) ou, alternativamente, cai, como Derrida, no silêncio político total. Não é possível descartar a metateoria; os pós-modernistas apenas a empurram para o subterrâneo, onde ela continua a funcionar como uma “efetividade agora inconsciente” (Jameson, 1984b).
Em conseqüência, vejo-me concordando com o repúdio de Eagleton às idéias de Lyotard, para quem “não pode haver diferença entre verdade, autoridade e sedução retórica; quem tem a língua mais macia ou a conversa mais atraente tem o poder” p. 112

“O intervalo entre a decadência do antigo e a formação e estabelecimento do novo constitui um período de transição, que sempre deve ser necessariamente marcado pela incerteza, pela confusão, pelo erro e pelo fanatismo selvagem e implacável”

John Calhoun p. 115

A segunda arena de dificuldade geral nas sociedades capitalistas concerne à conversão da capacidade de homens e mulheres de realizarem um trabalho ativo num processo produtivo cujos frutos possam ser apropriados pelos capitalistas. Todo tipo de trabalho exige concentração, autodisciplina, familiarização com diferentes instrumentos de produção e o conhecimento das potencialidades de várias matérias-primas em termos de transformação em produtos úteis. Contudo, a produção de mercadorias em condições de trabalho assalariado põe boa parte do conhecimento, das decisões técnicas, bem como do aparelho disciplinar, fora do controle da pessoa que de fato faz o trabalho. A familiarização dos assalariados foi um processo histórico bem prolongado (e não particularmente feliz) que tem de ser renovado com a incorporação de cada nova geração de trabalhadores à força de trabalho. A disciplinação da força de trabalho para os propósitos de acumulação do capital – um processo a que vou me referir, de modo geral, como “controle do trabalho” - é uma questão muito complicada. Ela envolve, em primeiro lugar, alguma mistura de repressão, familiarização, cooptação e cooperação, elementos que têm de ser organizados não somente no local de trabalho como na sociedade como um todo. A socialização do trabalhador nas condições de produção capitalista envolve o controle social bem amplo das capacidades físicas e mentais. A educação, o treinamento, a persuasão, a mobilização de certos sentimentos sociais (a ética do trabalho, a lealdade aos companheiros, o orgulho local ou nacional) e propensões psicológicas (a busca da identidade através do trabalho, a iniciativa individual ou a solidariedade social) desempenham um papel e estão claramente presentes na formação de ideologias dominantes cultivadas pelos meios de comunicação de massa, pelas instituições religiosas e educacionais, pelos vário setores do aparelho do Estado, e afirmadas pela simples articulação de sua experiência por parte dos que fazem o trabalho. Também aqui o “modo de regulamentação” se torna uma maneira útil de conceituar o tratamento dado aos problemas da organização da força de trabalho para propósitos de acumulação do capital em épocas e lugares particulares. 119

O americanismo e o fordismo [...] equivaliam ao “maior esforça coletivo até para criar, com velocidade sem precedentes, e com uma consciência de propósito sem igual na história, um novo tipo de trabalhador e um novo tipo de homem”. Os novos métodos de trabalho “são inseparáveis de um modo específico de viver e de pensar e sentir a vida”. Questões de sexualidade, de família, de formas de coerção moral, de consumismo e de ação do Estado estavam vinculadas [...] ao esforça de forjar um tipo particular de trabalhador “adequado ao novo tipo de trabalho e de processo produtivo”. 122

A estética relativamente estável do modernismo fordista cedeu lugar a todo o fermento, instabilidade e qualidades fugidias de uma estética pós-moderna que celebra a diferença, a efemeridade, o espetáculo, a moda e a mercadificação de formas culturais. 148

O ecletismo nas práticas de trabalho parece quase tão marcado , em nosso tempo, quanto o ecletismo das filosofias e gostos pós-modernos. 175

[...] tudo isso criar para a classe trabalhadora oportunidades – bem como perigos e dificuldades – precisamente porque educação, flexibilidade e mobilidade geográfica, uma vez adquiridas, ficam mais difíceis de ser controladas pelos capitalistas. 175

A teoria estética, por outro lado, procura as regras que permitam a veiculação de verdades eternas e imutáveis em meio ao turbilhão e fluxo da mudança. O arquiteto [...] tanta comunicar certos valores por meio da construção de uma forma espacial. Pintores, escultores, poetas e escritores de todo tipo não fazem menos do que isso. A própria palavra escrita abstrai propriedades do fluxo da experiência e as fixa em forma espacial. “A invenção da imprensa mergulhou a palavra no espaço” [...] e a escrita - um “conjunto de marcas tênues marchando em linha reta, como exércitos de insetos, por páginas e páginas de papel em branco” - é, portanto, uma espacialização definida. (McHale, 1987, 179-181). De fato, todo sistema de representação é uma espécie de espacialização que congela automaticamente o fluxo da experiência e, ao fazê-lo, destrói o que se esforça por representar. 191

A meta das construções espaciais não é “iluminar a realidade temporal para que possamos [nos] sentir mais à vontade nela, mas livrar-se dela: abolir o tempo no interior do tempo, ao menos por um tempo”. Harries [...] Baudelaire - “só podemos esquecer o tempo fazendo uso dele” - e de T. S. Eliot, “só pelo tempo é o tempo conquistado”.

O espaço contém tempo comprimido. É para isso que serve o espaço. Heidegger. 200

“A mensuração do tempo”, declara Landes (1983, 12) [..] “foi simultaneamente um signo das criatividade recém-descoberta e um agente catalisador do uso do conhecimento para a obtenção de riqueza e poder.” Medidores do tempo e mapas precisos há muito valem o seu peso em ouro, e o domínio dos espaços e tempos é um elemento crucial na busca do lucro. [...] o dinheiro pode ser usado para dominar o tempo (o nosso ou o de outras pessoas) e o espaço. Inversamente, o domínio do tempo e do espaço pode ser reconvertido em domínio sobre o dinheiro. 207

[...] relações entre o dinheiro, o espaço e o tempo como fontes interligadas de poder social. [...] O dinheiro mede o valor, mas, se começarmos perguntando o que constitui o valor, verificaremos ser impossível definir o valor sem dizer alguma coisa sobre como é alocado o tempo do trabalho social. 208

O efeito geral é [...] a aceleração do ritmo dos processos econômicos e, em conseqüência, da vida social. Mas essa tendência é descontínua, pontuada por crises periódicas, porque os investimentos fixos em instalações e equipamentos, bem como em formas organizacionais e habilidades de trabalho, não podem ser modificadas com facilidade. A implantação de novos sistemas tem de esperar a passagem do tempo de vida “natural” da fábrica e do trabalhador, ou empregar o processo de “destruição criativa” que se baseia na desvalorização ou destruição forçadas de ativos antigos para abrir caminho aos novos. 210

Mas como os “momentos” são “os elementos do lucro” (Marx, 1967, v. 1, 233), é o domínio do tempo de trabalho dos outros que dá aos capitalistas o poder inicial de se apropriar dos lucros para si; as lutas entre proprietários do trabalho e do capital em torno do uso do tempo e da intensidade do trabalho são endêmicas. 210

[...] quem comanda as técnicas de representação obterá um considerável poder. Se uma imagem ou mapa valem mil palavras, o poder nos reinos da representação pode terminar tendo tanta relevância quanto o poder sobre a materialidade da própria organização espacial. 213

[...] os movimentos da classe trabalhadora costumam ser melhores na organização e no controle do lugar do que em dominar o espaço. [...] a simultaneidade das ações revolucionárias [...] espalha o medo em toda classe dirigente precisamente porque seu domínio superior do espaço é ameaçado. 216

Hoje, mais do que nunca, a luta de classes se inscreve no espaço. Com efeito, somente ela evita que o espaço abstrato assuma o controle de todo o planeta e apague todas as diferenças. (Henri Lefebvre)

A disciplina inflexível dos horários de trabalho, dos direitos de propriedade organizados de maneira imutável e de outras formas de determinação espacial gera amplas resistências por parte de pessoas que querem eximir-se dessas restrições hegemônicas do mesmo modo como outros recusam a disciplina do dinheiro. E, de quando em vez, essas resistências individuais podem tornar-se movimentos sociais que visam liberar o espaço e o tempo de suas materializações vigentes e construir um tipo alternativo de sociedade em que o valor, o tempo e o dinheiro sejam compreendidos de novas formas bem distintas. 217

De fato, boa parte da cor e do fermento dos movimentos sociais, da vida e da cultura das ruas e das práticas artísticas e outras práticas culturais deriva principalmente da infinita variedade da textura de oposições às materializações do dinheiro, do espaço e do tempo em condições de hegemonia capitalista. 217

As práticas temporais e espaciais nunca são neutras nos assuntos sociais; elas sempre exprimem algum tipo de conteúdo de classe ou outro conteúdo social. 218


[...] “compressão do tempo-espaço”. Pretendo indicar com esta expressão processos que revolucionam as qualidades objetivas do espaço e do tempo a ponto de nos forçarem a alterar, às vezes radicalmente, o modo como representamos o mundo para nós mesmos. [...] a história do capitalismo tem se caracterizado pela aceleração do ritmo da vida, ao mesmo tempo em que venceu as barreiras espaciais em tal grau que por vezes o mundo parece encolher sobre nós. [...] A medida que o espaço parece encolher [...] e que os horizontes temporais se reduzem a um ponto em que só existe o presente (o mundo do esquizofrênico), temos de aprender a lidar com um avassalador sentido de compressão dos nossos mundos espacial e temporal. 219

Havia necessidade de algo mais para consolidar o suo real do espaço como algo universal, homogêneo, objetivo e abstrato na prática social. Apesar da pletora de planos utópicos, o “algo mais” que viria a dominar foi a propriedade privada da terra e a compra e venda do espaço como mercadoria. 231

Tanto a biblioteca como o museu têm o efeito de registrar o passado e descrever a geografia ao mesmo tempo em que rompem com eles. A redução do passado a uma representação organizada como uma exibição de artefatos (livros, quadros, relíquias, etc.) é tão formalista quanto a redução da geografia a um conjunto de exibições de coisas de lugares distantes. 247

Entretanto, o museu, a biblioteca e a exposição costumam aspirar a alguma sorte de organização coerente. O trabalho ideológico de inventar a tradição assumiu grande importância no final do século XIX exatamente porque essa foi uma época em que as transformações das práticas espaciais e temporais implicavam uma perda da identidade com o lugar e repetidas rupturas radicais com todo sentido de continuidade histórica. 247

[...] o pós-modernismo é alguma espécie de resposta a um novo conjunto de experiências do espaço e do tempo, uma nova rodada da “compressão do tempo-espaço”. 256

Para os trabalhadores, tudo isso implicou uma intensificação dos processos de trabalho e uma aceleração na desqualificação e requalificação necessárias ao atendimento de novas necessidades de trabalho. 257

Dentre os muitos desenvolvimentos da arena do consumo, dois têm particular importância. A mobilização da moda em mercados de massa (em oposição a mercados de elite) forneceu um meio de acelerar o ritmo do consumo não somente em termos de roupas, ornamentos e decoração, mas também numa ampla gama de estilos de vida e atividades de recreação [...]. Uma segunda tendência foi a passagem do consumo de bens para o consumo de serviços [...]. O “tempo de vida” desses serviços [...] é bem menor do que um automóvel ou máquina de lavar. Como há limites para a acumulação e para o giro de bens físicos [...] faz sentido que os capitalistas se voltem para o fornecimento de serviços bastante efêmeros em termos de consumo. 258

[...] conseqüências dessa aceleração generalizada dos tempos de giro do capital [...]. A primeira [...] foi acentuar a volatividade e efemeridade de modas, produtos, técnicas de produção, processos de trabalho, idéias e ideologias, valores e práticas estabelecidas. 258

No domínio da produção de mercadorias, o efeito primário foi a ênfase nos valores e virtudes da instantaneidade [...] e da descartabilidade [...]. A dinâmica de uma sociedade “do descarte” (Tofler) [...] ela significa mais do que jogar fora bens produzidos [...] significa também ser capaz de atirar fora valores, estilos de vida, relacionamentos estáveis, apego a coisas, edifícios, lugares, pessoas e modos adquiridos de agir e de ser. 258

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