Não fiz nada da vida senão tê-la.
Mal amei, bebi bem, sonhei muitíssimo.
Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como uma nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos
Mas eu te possuirei mais que ninguém porque poderei partir
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.
Rio de Janeiro, 1935
Em janeiro, não aguentei mais e subi a serra. Todos sabem como foram as águas em 60. Como choveu! Cheguei à fazenda, meti-me numas calças velhas e esperei a chegada daquela burrice calma que nos dá nove horas de sono sem sonhos. O mau tempo e o barro mantinham a todos presos em casa. Bom era quando odia amanhecia melhorzinho e eu e meu filho, ainda de pijama, íamos ver o trabalho das formigas cortando as roseiras do jardim. Mas qual! Quando o sol começava a querer esquentar vinha logo a chuva e nós corríamos para dentro. Uma noite, já ia apagar os lampiões, quando ouvi o motor de um carro que pelejava para subir a rampa. João Gilberto e Sra. estavam chegando. Tínhamos combinado que ele viria, mas, devido ao mau tempo já não acreditávamos que Joãozinho chegasse, e logo de taxi! Depois ele me contou que, atolado na lama, esperou um trator puxar o carro. Vinha cansado e descansou uns dois dias. | Então começamos a trabalhar. Fugíamos da sala onde brincavam as crianças prêsas pela chuva. Íamos para um dos quartos vazios, com fôrro de madeira, que aliás dão boa acústica. Lá, longe da cidade e do telefone, trabalhamos sossegados uns dez dias. De vez em quando o trabalho era interrompido pelas crianças que irrompiam no quarto trazendo algum filhote de tico-tico ou de coleiro "caído" do ninho. Nessa época do ano a trepadeira da varanda fica cheia desses ninhos de passarinhos pequenos. Às vêzes também as patroas entravam com um café cheiroso, biscoitos, e ficavam alí um pouco. Quando o tempo melhorava vinha o sol quente. Tomávamos banho de cachoeira e íamos flanar um pouco pelas redondêzas. Aí Joãozinho partiu. Dias depois recebo um recado; o disco estava atrazado e o Aloysio havia marcado a gravação. Desci também e começou a correria: estúdio, cópias, músicos. E tudo foi feito num ambiente de paz e passarinhos. P. S. - As criancas adoraram "O Pato". |
A insensatez que você fez
Coração mais sem cuidado
Fez chorar de dor
O seu amor
Um amor tão delicado
Ah, porque você foi fraco assim
Assim tão desalmado
Ah, meu coração que nunca amou
Não merece ser amado
Vai meu coração ouve a razão
Usa só sinceridade
Quem semeia vento, diz a razão
Colhe sempre tempestade
Vai, meu coração pede perdão
Perdão apaixonado
Vai porque quem não
Pede perdão
Não é nunca perdoado
Quem acreditou
No amor, no sorriso e na flor
Entao sonhou, sonhou...
E perdeu a paz
O amor, o sorriso e a flor
Se transformam depressa demais
Quem, no coração
Abrigou a tristeza de ver tudo isto se perder
E, na solidão
Procurou um caminho e seguiu,
Já descrente de um dia feliz
Quem chorou, chorou
E tanto que seu pranto já secou
Quem depois voltou
Ao amor, ao sorriso e à flor
Então tudo encontrou
E a própria dor
Revelou o caminho do amor
E a tristeza acabou