Um livro é um mudo que fala, um surdo que responde, um cego que guia, um morto que vive. (Padre Antônio Vieira)

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

MILLER, Henry. O mundo do sexo

 MILLER, Henry. O mundo do sexo. 3. ed. Rio de Janeiro: Pallas, 1975. 111 p.

O drama da parceria entre os dois sexos, que é comum a todos os homens, e é um drama vital, só penetra no consciente do macho quando ele é obrigado a enfrentar o divórcio. [...] Poucos são aqueles que encaram suas relações humanas com o sexo oposto como uma luta proveitosa, criadora. O amor é o ímã que atrai e junta dois pólos opostos. O que os atrai e os mantém unidos é pergunta que ninguém faz. p. 73

O amor é o drama cuja essência deve ser completa, unificada. Sendo pessoal e sem limites, leva o homem a livrar-se da tirania do seu ego. O sexo é impessoal - pode ser ou não identificado com o amor. Pode reforçar e aprofunar o amor, bem como pode destruí-lo. p. 73

Tenho a impressão de que o sexo foi melhor compreendido e mais bem explicado no mundo pagão, [...] primitivo e [...] religioso. [...] no plano estético [...], no plano mágico, [...] no plano espiritual. No nosso mundo, onde prevalece o plano bestial, o sexo funciona no vácuo. p. 74

Estamos nos tornando cada vez mais neutros, [...] mais assexuais. O asassino [...] é o resultado [...] da raça degenerada que está [...] minando a nossa estrutura social. Emocionalmente distorcido, o assassino só consegue entrar em contato com seu semelhante através do derramamento de sangue. p. 74

Existem entre nós todos os tipos de assassino. Aquele que acaba na cadeira elétrica não é senão o arauto de um anfitrião assustador. […] Em determinado sentido, somos todos assassinos. Nosso sistema de vida tem suas raízes no assassinato. […] Sob o pretexto de nos proteger, inventamos os mais fantásticos instrumentos de destruição, que acabam por nos destruir. Ninguém parece acreditar no poder do amor, que é o único seguro. Ninguém mais acredita no vizinho ou em si mesmo – quanto mais num ente superior. O medo, a inveja e a suspeita brotam por todos os lados. p. 74

Para tornar a vida mais bonita, mais maravilhosa, mais profunda, mais satisfatória, precisamos olhar para todos os elementos que contribuem para sua evolução com uma visão clara, límpida, sempre renovada. Se existe qualquer coisa de errado na nossa atitude em relação ao sexo, então é porque alguma coisa está errada na nossa atitude em relação ao dinheiro, ao pão, ao trabalho, ao divertimento, a tudo. Como gozar de uma boa vida sexual se a nossa atitude em relação aos outros aspectos da vida é distorcida e anormal? p. 75

É muito difícil […] explicar às pessoas emocionalmente distorcidas que a auto-expressão é o que importa – aquilo que exprimimos e de que maneira […] é inteiramente irrelevante. p. 75

Hoje em dia parece que todos nós somos movidos apenas pelo medo. Temos medo até daquilo que é bom, saudável e alegre. E o que é um herói? Antes de mais nada, é aquele que conquistou seus temores. […] A sua única virtude é a de ter conseguido identificar-se com a vida e com ele mesmo. Tendo deixado de duvidar e de indagar, ele apressa o ritmo e o fluxo da vida. O covarde, ao contrário, tenta reter este fluxo. Nada consegue, é claro, a não ser diminuir e até parar o seu próprio fluxo. A vida continua, quer as nossas atitudes sejam as de um covarde ou de um herói. A única disciplina que a vida nos impõem é aceitá-la como ela é. Tudo aquilo de que fugimos, […] tudo o que negamos, desprezamos ou denegrimos, acabará servindo apenas para derrotar-nos. Aquilo que parece ruim, doloroso e nocivo, pode ser transformado numa fonte de beleza, alegria e incentivo, sempre que encarado de frente, com coragem. p. 76

Todos os momentos da vida são valiosos para aqueles que sabem e querem reconhecê-los como tal. […] A morte só triunfa a serviço da vida. p. 76

Não importa o caminho percorrido – o essencial é pisarmos firmes e sem medo. p. 84

Nos dias de hoje, populações inteiras são expulsas de suas cidades, abandonando seus lares. Ou então são destruídas, eliminadas, e a humanidade – mesmo que se comova – não tem forças para intervir. Um incêndio num jardim zoológico nos comove mais do que o sofrimento de milhares de criaturas. O mundo está paralizado pelo medo e pela suspeita. O homem que planeja o futuro, o robô endeusado, está no comando. Parece que a sua missão é destruir aquilo que não consegue destruir-se a si próprio: a sociedade. p. 86

Olho para eles como se olhasse para cobaias. Continuam usando os mesmos truques. Têm a desesperança estampada no rosto. Já nasceram condenados. É triste pensar que, quanto melhores as condições de vida de uma sociedade, piores são os resultados. […] estão marcados para serem sacrificados numa experiência sem sentido. p. 92

Seria, de fato, necessário um indivíduo excepcional para nos convencer que a vida, neste ou em qualquer outro continente, pode ser vivida sem tédio e degradações e sem que seja necessário recorrer à tortura, à perseguição, às armas mortais, etc. p. 93

Não vejo nenhum começo e nenhum fim em parte alguma da história da humanidade. p. 95

Vejo que existe apenas – e permanentemente – a luta do homem, seu triunfo ou sua derrota, sua emancipação ou escravidão, sua libertação ou prisão perpétua. Essa luta, cuja natureza é cósmica, desafia toda e qualquer análise. p. 95

De vez em quando […] uma pessoa consegue de fato soltar-se e ter vida própria, à sua maneira. […] Contam-se nos dedos […] aqueles que conseguiram livrar-se do molde. p. 97

Ainda mais trágico, mais irônico, é o exemplo dos imitadores, daqueles que nunca tentaram viver suas próprias vidas, mas que se dedicaram a imitar a dos grandes mestres. […] Seguir (ao invés de conduzir) é uma maldição que paira sobre o homem. p. 97

A verdadeira traição é seguir o caminho ditado pelo mundo e usar nossa inteligência para justificar essa fraqueza. (Jean Guéhenno) p. 97

[…] o que nos custa de coragem e de imaginação, de ousadia e de humildade para que possamos nos libertar da teia do desespero e derrota que nos envolve e sufoca. p. 98

Tudo o que interessa é que o milagroso torne-se normal. Mesmo agora, frustrados e cheios de entraves como somos, o milagroso nunca está totalmente ausente. Mas como são errados, grotescos e desajeitados os nossos esforços para descobri-los. Toda a criatividade, todo o enorme trabalho gasto com invenções, que são consideradas maravilhas do engenho humano, devem ser encarados não somente como trabalho perdido, mas também como um esforço inconsciente do homem para adiar e fugir do milagroso. p. 99

Atulhamos a terra com nossas invenções sem pensar que elas talvez sejam inúteis – ou desastrosas. Inventamos os mais espantosos meios de comunicação, mas será que conseguimos nos comunicar com alguém? Transportamos nossos corpos de um lado para o outro da terra com extrema rapidez, mas será que saímos do lugar onde estamos? […] Estamos […] acorrentados. O que conseguimos […] se continuamos a ser as mesmas pessoas irrequietas, miseráveis e frustradas que éramos antes? Chamar tais atividades de progresso é uma grande ilusão. […] se os resultados dessas alterações não nos afetam, onde está o sentido disso tudo? p. 99

As ações que tem sentido não necessitam de um impulso inicial. Quando tudo ao nosso redor está se despedaçando e se arruinando, talvez a atitude mais sensata seja a de ficar quieto, imóvel. p. 99

O homem que consegue compreender e exprimir a verdade que está oculta dentro de si mesmo realizou uma tarefa mais poderosa da que a destruição de um império. p. 99-100

No começo foi a palavra. O homem a representa. Ele é o representante e não o ator. p. 100

O mundo é o nosso lar, mas ainda temos de ocupá-lo; a mulher que amamos está a nossa espera, mas não sabemos como encontrá-la, estamos trilhando o caminho que procuramos, mas não o reconhecemos. […] os poderes que podem ser utilizados por todos nós são ilimitados. p. 105

Aqueles que têm medo estão condenados; aqueles que duvidam estão perdidos […] temos ao nosso alcance tudo o que desejamos, tudo o que precisamos, como peixes do mar. p. 106

Andando de casa em casa, de janela em janela, minha esperança é ver uma mulher dizendo boa noite à sua própria imagem refletida num espelho rachado. Eu queria, ao menos uma vez, poder sentir aquele olhar antes do apagar das luzes. p. 110

Na sua solidão, no seu sonho de amor ou de falta de amor, os perdidos buscam sempre a beira da água. No imenso caminho da noite, a agonia sussurrante dos atormentados é abafada pelo ruído das águas, mesmo as de um simples córrego. A mente vazia de tudo, a não ser do murmúrio das águas, fica tranquila. Rolando com as águas, o espírito que estava acossado fecha suas asas. p. 111

As águas no mundo! Nivelando, amparando, confortando. Águas batismais! Depois da luz, é o mais misterioso dos elementos da criação. Tudo passa com o tempo. As águas ficam. p. 111

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