Ah, como o sono é a verdade, e a única
Hora suave é a de adormecer!
Amor ideal, tens chagas sob a túnica.
Esperança, és a ilusão a apodrecer.
Os deuses vão-se como forasteiros.
Como uma feira acaba a tradição.
Somos todos palhaços estrangeiros.
A nossa vida é palco e confusão.
Ah, dormir tudo! Pôr um sono à roda
Do esforço inútil e da sorte incerta!
Que a morte virtual da vida toda
Seja, sono, a janela que, entreaberta,
Só vaga sombra e som do mundo deixe
Chegar à sonolência que se sente.
E a alma se desfaça como um feixe
Atados pelos dedos de um demente...
Fernando Pessoa
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