[...] como é incerto o terreno sobre o qual repousam todas as nossas ligações e amizades, como estão próximos os frios aguaceiros ou os maus tempos, como todo homem é isolado! Qualquer se dá conta disso e, além do mais, que todas as opiniões, sua espécie e sua força são, em seus contemporâneos, tão necessárias e irresponsáveis como suas ações, que adquire o olhar para ver essa necessidade íntima das opiniões sair da indissolúvel implicação de caráter, de ocupação, de talento, de meio – perderá talvez a amargura e a aspereza de sentimento com a qual esse sábio* exclamava: "Amigos, não há amigos!". Antes, haverá de fazer esta confissão: Sim, há amigos, mas é o erro, a ilusão sobre ti que os levou em tua direção; e tiveram de aprender a calar-se para ficarem teus amigos; pois, quase sempre, essas relações humanas repousam sobre o fato de uma ou duas coisas não serem jamais ditas, ou seja, que não serão mais tocadas, mas esses seixos começam a rolar, a amizade os segue e se rompe. Há homens que pudessem não ser feridos mortalmente, se ficassem sabendo o que seus mais fiéis amigos sabem deles no fundo? – Aprendendo a nos conhecermos a nós mesmos, a considerar nosso próprio ser como uma esfera móvel de opiniões e de tendências, e assim a desprezá-la um pouco, coloquemo-nos por nossa vez em equilíbrio com os outros. É verdade, temos poucas razões para estimar pouco cada um daqueles que conhecemos, mesmo os maiores; mas temos também boas razões para voltar esse sentimento contra nós mesmos. Assim, suportemos uns dos outros o que suportamos muito bem de nós; e talvez para cada um haverá de chegar um dia a hora mais feliz quando poderá dizer: "Amigos, não há amigos" – exclamava o sábio moribundo; "Inimigos, não há inimigos!" – exclamo eu, o tolo vivo. P. 259.
*Jean-Pierre Claris de Florian
NIETZSCHE, Friedrich. Humano, demasiado humano. Tradução de Antônio Carlos Braga. 2. ed. São Paulo: Escala, [198-?]. 356 p. ISBN 85-7556-757-8 (Grandes obras do pensamento universal, 42)
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