Um livro é um mudo que fala, um surdo que responde, um cego que guia, um morto que vive. (Padre Antônio Vieira)

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

O trabalhador Golem

 por Thiry Cherques, Sobreviver ao trabalho 

O trabalhador-golem está longe de ser um indivíduo cuja existência foi truncada pelas necessidades da sobrevivência. Tampouco é um rebelde domado. É alguém a quem nunca ocorreu se rebelar. Alguém tão associado ao sistema que a ele aliena integralmente o espírito. Alguém que ambiciona pertencer, que quer ser reconhecido como útil à produção. [...] esse tipo de trabalhador desenvolve uma conduta de aceitação e conformidade. Manipulando e sendo manipulado, mitificando e crendo, ele é um exlcuído, um exilado do mundo que existe para além do trabalho. p. 22


A configuração socioeconômica que aí está [...] induz o florescimento da disposição de espírito do golem e dos seus avatares – o robô, o andróide e o cyborg – e encoraja a proliferação daqueles que dependem do sistema para sobreviver não só física, mas mental e socialmente. p. 22


[...] se realiza através das realizações do sistema. p. 24


Pode-se lamentar que seres humanos tenham cancelado os valores e as virtudes individuais. Que a sua esperança individual tenha chegado a se confundir com a esperança coletiva, e a fortuna da sua existência com a fortuna da produção. Mas a sobrevivência, tal como aqui colocada – coerência pessoal e resistência da psique ante as pressões do sistema -, impõe, para que possa se efetivar, uam lógica, uma explicação do mundo e da vida. p. 25


São duas as características de sua constituição: a mentalidade conformista e o desejo de alienar á outra instância a vontade e a decisão sobre o viver – o anseio de estar identificado com alguma estrutura social, seja ela qual for. A primeira deriva da sujeição como condição da existência. A segunda, da convicção ou da sensação de que a individualidade só existe enquanto parte. Ambas, da idéia de que cada um de nós é o que é somente em relação aos outros, aos grupos, às instituições, às organizações. Trata-se de uma exacerbação da idéia hegeliana do reconhecimento. Para o trabalhador-golem, ser não é apenas ser reconhecido. Ser é ser reconhecido como parte funcional, como subsistema. 25


[...] uma mistura de mentalidade de gueto e de vontade de inclusão. 26


O gueto é uma situação extrema, mas a "mentalidade de gueto" não. É até bastante comum. A primeira característica dessa mentalidade é a recusa em ver. [...] A segunda característica [...] é a insensibilidade como tática de sobrevivência. 27


[...] o alheamento do sistema significa a perda cada vez mais pronunciada do sentido da própria vida. [...] Mais e mais essas pessoas fazem seus os valores das organizações. Para elas, há cada vez manos vida fora do sistema. [...] toda a perspectiva da vida está limitada ao "pertencimento". p. 27


Quando os valores do sistema são tidos como valores da vida, sobrevivência torna-se tão controlável quanto controláveis são os fatores de mercado e o progresso técnico para o trabalhador na linha de produção.de forma que os trabalhadores-golem são triplamente alienados: alienam a sua força de produção [...]; alienam sua vontade [...] às forças de mercado; e alienam sua vida espiritual ao fortuito, ao aleatório, ao acaso do seu destino material. 28

Thiry Cherques, Sobreviver ao trabalho 

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