MILLER, Henry. Nexus. Tradução de Sérgio Flaksmann. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. 410 p.
Toda pessoa sincera tem uma certa dose de talento. p. 156
Um Sócrates atrelado a uma mulher insuportável, um santo assolado por mil infortúnios, um profeta coberto de piche e penas... para quê? Tudo grão para o moinho, dados para os historiadores e cronistas, veneno para a criança, caviar para o professor. E com isso e através disso, caminhando em ziguezague como um bêbado inspirado, o escritor conta a sua história, vive e respira, encontra a honra ou desonra. Que papel! Que deus nos proteja! p. 169
As mulheres, quando realmente gratas pela atenção que recebem, quase sempre acabam oferecendo o corpo. p. 236-237
Escrevemos sabendo que já estamos derrotados desde o início. Todo dia suplicamos por novos tormentos. Quanto mais sentimos coceiras e nos coçamos, melhor nos sentimos. E quando nossos leitores também começam a sentir coceiras e a se coçar, sentimo-nos sublimes. Que ninguém morra de inanição! Os ares devem estar sempre fervilhando de flechas de pensamentos lançadas pelos literatos, les hommes de lettres. As letras, vejam bem. Que formulação feliz! Letras reunidas por fios invisíveis tomados por imponderáveis correntes magnéticas. [...] Uma mente distribuída por livros, páginas, frases repletas de vírgulas, pontos, ponto-e-vírgulas, travessões e asteriscos. Um autor conquista um prêmio ou uma cadeira na Academia por seus esforços, ao outro só cabe um osso roído pelos vermes. Os nomes de alguns são dados a ruas e bulevares, os de outros a prisões e asilos. E mesmo depois que todas essas "criações" tiverem sido finalmente lidas e digeridas, os homens ainda estarão atacando uns aos outros. Nenhum escritor, nem mesmo o maior deles, jamais foi capaz de contornar esse fato duro e frio. p. 310
É desnecessário, nesse reino radioso, consumir excremento humano ou copular com os mortos, a exemplo de certas almas disciplinadas, e nem é necessário abster-se de comida, álcool, sexo ou drogas, à maneira dos anacoretas. Nem é obrigatório estudar horas a fio as escalas maior e menor, os arpejos, os pizzicati ou as cadenzas, como a progênie de Lizst, Czerny e outros virtuosi pirotécnicos. Nem a pessoa precisa se matar de trabalho para fazer mundos explodirem como fogos de artifício, de conformidade com as regras balísticas de semanticistas embriagados. É suficiente, e mais que suficiente, bocejar, espreguiçar-se, espirrar, peidar e relinchar. Regras são para os bárbaros, técnica é para os trogloditas. Basta de Minnesingers, mesmo que sejam da Capadócia!
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