Quero ser livre, insinsero,
Sem crença, dever ou posto.
Prisões, nem de amor as quero,
Não me amem, porque não gosto.
Quando canto o que não minto
E choro o que sucedeu,
É que esqueci o que sinto
E julgo que não sou eu.
De mim mesmo viandante
Colho as músicas na aragem,
Que a minha própria alma errante
É uma canção de viajem.
E cai um grande e calmo efeito
De nada ter razão de ser
Do céu nulo como um direito
Na terra vil como um dever.
A chuva morta ainda ensopa
O chão nocturno do céu limpo,
E faço, sob a aguada roupa,
Figuras sociais a tempo.
PESSOA, Fernando. Poesia: 1918-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. 487 p.
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