Um livro é um mudo que fala, um surdo que responde, um cego que guia, um morto que vive. (Padre Antônio Vieira)

quinta-feira, 12 de outubro de 2023

DE MASI, Domênico. O ócio criativo

DE MASI, Domênico. O ócio criativo. 7. ed. Rio de Janeiro: Sextante, 2000. 336 p.  

 

estamos caminhando em direção a uma sociedade na qual grande parte do tempo será [...] dedicada a outra coisa. 15


fundada não mais no trabalho, mas no tempo vago. 16


A principal característica da atividade criativa é que ela praticamente não se distingue do jogo e do aprendizado, ficando cada vez mais difícil separar estas três dimensões que antes, em nossa vida, tinham sido separadas de uma maneira clara e artificial. Quando trabalho, estudo e jogo coincidem, estamos diante daquela síntese que eu chamo de "ócio criativo". 16


Nos próximos séculos, provavelmente reduziremos o corpo ao mínimo e expandiremos o cérebro. Um pouco como já acontece através do rádio, da televisão, do computador - a extraordinária série de próteses com as quais aumentamos o poder da nossa cabeça e ampliamos o seu raio de ação. 17


Aculturar significa colonizar o cérebro com o objetivo de moldá-lo de modo  que faça aquilo que o grupo de referência considera útil. 34


se não se usa tecnologia, se usam seres humanos: operários, servos, escravos. 38


a tecnologia evita cansaço e sofrimento. 39


A tecnologia é uma oportunidade, não uma obrigação. 39


Taylor [...] consideram o trabalho um mal que deve ser reduzido ao mínimo, ou evitado. 51


Uma vez que entra na fábrica, o trabalhador não tem mais, durante o dia todo, contato algum com o exterior: não dispõe de telefone, e seu corpo e sua alma ficam segregados. 59


pela primeira vez na história da humanidade repensar o trabalho significa repensar e organizar a vida inteira. [...] além de modificar o próprio ritmo de produção, deverão também modificar suas relações afetivas com os outros, sua relação com o bairro em que vivem e com a própria casa [...] a reorganização da informática [...] trarão de volta o trabalho para dentro dos lares e, assim, nos obrigarão a rever toda a organização prática da nossa existência. 59


Estandardização - especialização - sincronização 60-61


São [...] três etapas rapidíssimas: rádio, televisão, informática [...] que conduzem a três níveis progressivos de informação e homogeneização. 79


O advento da televisão fará com que todo e qualquer patrimônio antropológico se propague, atingindo completamente a reserva planetária. 79


Os capitalistas aperfeiçoaram no mundo todo uma estratégia precisa [...] com grande uso da mídia, elaboraram uma campanha para atacar tudo que é público: burocracia, empresas estatais, transportes, previdência social e ensino. Obtiveram assim a privatização dos setores mais lucrativos da economia e compraram a baixo preço as ações das sociedades privatizadas: companhias de transporte ferroviário, eletricidade, telecomunicações, tudo aquilo de maior valor dos patrimônios estatais. 92


uma progressiva delegação do trabalho a aparelhos eletrônicos e por uma relação cada vez mais desequilibrada entre o tempo dedicado ao trabalho e o tempo livre. 107


Para os pobres, a principal moeda de troca será a audiência. 132


há uma classe hegemônica dirigente que olha para a frente e pensa no futuro. Há uma classe hegemônica dominante que se preocupa só em conservar os privilégios adquiridos. Do mesmo modo, há uma classe subalterna propositiva capaz de contrapor os próprios planos aos da classe hegemônica. E há uma classe subalterna defensiva, que se limita a proteger os próprios direitos adquiridos, que recusa a priori os planos da classe hegemônica, mas não é capaz de formar planos alternativos. 134


A economia global é guiada predominantemente, se não o for de forma absoluta, pelas multinacionais. Elas dispõe de sistemas informativos e de lobby muito poderosos, com os quais conseguem ocultar melhor sua política [...] a trama dos negócios que fazem é tão emaranhada, que muito pouca gente é capaz de descobrir o fio da meada [...] cinco sociedades privadas controlam mais de 50% do mercado mundial. 143


o quinto, em invadir todo o mundo conhecido com as próprias ideias. 144


diante da globalização, reage-se com a esquizofrenia característica de todas as revoluções de época: com euforia pela ubiquidade, de um lado, e, de outro, com o impulso de buscar segurança nas próprias raízes e no próprio ambiente. Homogeneização e achatamento da diversidade de uma parte e subjetividade e diferenciação de outra. 146


O camponês e o artesão viviam no mesmo lugar em que trabalhavam, o tempo que dedicavam ao trabalho misturava-se ao das tarefas domésticas, ao dedicado a cantorias e outras distrações. Foi a indústria que separou o lar do trabalho, a vida das mulheres da vida dos homens, o cansaço da diversão [...] o trabalho assumiu uma importância desproporcionada, tornando-se categoria dominante na vida humana, em relação a qualquer outra coisa - família, estudo, tempo livre.147 


A plenitude da atividade humana é alcançada somente quando nela coincidem e se acumulam, se exaltam e se mesclam o trabalho, o estudo e o jogo, isto é, quando nós trabalhamos, aprendemos e nos divertimos, tudo ao mesmo tempo. 148


tecnologias que nos oferecerão maior ócio. 165


se por um lado a tecnologia permite que se trabalhe de roupão, usando telefone, fax e correio eletrônico, por outro, as exigências de estudos especializados, de trabalho, de cultura e de lazer impõem cada fez mais frequentememente a mudança de cidade, de país, de um continente a outro. Diminuem, portanto, os microdeslocamentos, mas multiplicam-se, em vez disso, os deslocamentos de maior raio de distância e duração. Afinal de contas, a sociedade pós-industrial é fundada no deslocamento e na reunião de pessoas, mercadorias e informações provenientes dos lugares mais disparatados. 166


servilismo zeloso 170


o overtime [...] não só destrói a criatividade e a agilidade de uma empresa, mas afeta também a vida familiar e o crescimento pessoal do empregado. 173


a melhor maneira de se obter uma produtividade mais alta numa empresa, e uma melhor qualidade de vida fora dela, é deixando o escritório assim que acaba o horário de expediente normal e não oferecer aos respectivos chefes mais tempo do que aquele estipulado pelo contrato e pago pela empresa. Um tempo que, aliás, pode e deve ser drasticamente reduzido. 183


Assimilamos o celular, uma invenção extraordinária porque praticamente cria a ubiquidade. 198


A lentidão é categoria de prudência. E não é por acaso que todos os provérbios induzem à lentidão [...] No mundo atual, a velocidade é conduzida ao paroxismo, quem é lento acaba ficando à mercê de quem é rápido [...] O nosso mundo é um mundo cinicamente baseado na velocidade e na exclusão de quem não é rápido. 199


Se os nossos bisavós padeciam do tédio de dias sempre iguais, nós padecemos de vertigem por instantes sempre diversos, dilatados, acelerados e excessivos, nos quais se orientam somente aqueles que, dotados de sabedoria, sabem viver com estilo, submetendo e sincronizando os ritmos frenéticos do mundo aos próprios biorritmos. 200


A velocidade, intimamente ligada à tecnologia, tornou-se um índice de progresso. 201


Tempo e espaço [...] as duas categorias mais importantes da nossa vida, reduziram-se de tal forma, que dispor deles [...] passou a ser um luxo. 201


Na nossa sociedade, a tecnologia é penetrante e invasora: rápida, delgada, sutil e miniaturizada. 206


as festas de trabalho e as reuniões são sempre um pouco tristes e patéticas. As panelinhas, as alianças, o bando de puxa-sacos são sempre grupos minados pela desconfiança, pela transitoriedade e pelo carreirismo. 210


em geral, o que acontece numa empresa e que uma pessoa é adulada quando tem poder e ignorada quando não tem muita sorte. 211


é até possível que o teletrabalho diminua, em vez de aumentar, a oferta de empregos. 212


estes subempregos não permitem que quem os desempenha adquira uma profissão. 212


Nem todos os trabalhos, porém, são descentralizáveis. Eles o são mais facilmente sobretudo quando consistem numa atividade simbólica [...] e se têm como matéria-prima a informação, que, devido a sua natureza ubíqua, é transmissível em tempo real. 215


autonomia dos tempos e dos métodos, coincidência entre o lar e o local de trabalho, redução dos custos e do cansaço provocado pelos deslocamentos, melhoria da gestão da vida social e familiar, relações de trabalho mais personalizadas, além da possibilidade de redução das horas de trabalho. 216


As desvantagens podem ser: isolamento, marginalização do contexto e da dinâmica da empresa [...] reestruturação dos espaços dentro de casa, dos hábitos pessoais e das relações familiares. 217


Todas as organizações que atualmente produzem bens de serviço e informação são filhas da velha indústria de manufaturas que  durante duzentos anos administrou o exército de analfabetos que assumiram tarefas repetitivas. Agora se tenta fazer a mesma coisa com os diplomados e graduados. 240


O que fizeram os trabalhadores no início da era industrial? Tomaram consciência da exploração da qual eram vitimas, identificaram seus opositores, se agregaram, realizaram alianças e lutaram com coragem e sacrifício. O trabalhador intelectual deveria fazer alguma coisa parecida, neste início de era pós-industrial. 250


A identidade depende cada vez mais daquilo que aprendemos , da nossa formação, da nossa capacidade de produzir ideias, do nosso modo de viver o tempo livre, do nosso estilo e da nossa sensibilidade estética. 252


A satisfação pela ubiquidade conquistada graças aos veículos personalizados de comunicação [...] os digitais têm total intimidade com a informática e com a ubiquidade. 267


Uma menor atenção ao dinheiro, à posse de bens materiais e ao poder. Uma maior atenção ao saber, ao convívio social, ao jogo, ao amor, à amizade e à introspecção. 284


para educar os jovens para os valores emergentes, os métodos a serem usados deverão valorizar mais o diálogo, a escuta, a solidariedade e a criatividade. 284


Durante nosso crescimento, acumulamos três tipos de bagagem cultural: as técnicas que constituem nosso ganha pão, as normas, para nos regularmos em relação aos outros membros da sociedade, e os comportamentos, com os quais interagimos com o próximo. 286


Quanto mais as pessoas são ricas, mais são cínicas e amedrontadas. Têm medo de perder os privilégios que, justamente, não merecem. Foi este o medo que serviu de base ao fascismo. 292


Poder carregar consigo um objeto por toda a parte, estar de posse do computador, do telefone, da máquina fotográfica e de um arquivo revoluciona as categorias mentais do tempo e do espaço. 295


trabalho e lazer se misturam e se potencializam reciprocamente. 295


A criatividade [...] não é só ter ideias, mas saber realizá-las: é unir fantasia e concretude. 301


A criatividade é, ao mesmo tempo, heteropoiese e autopoiese: isso significa que adquiro materiais dos outros (heteropoiese), mas os reelaboro dentro da minha mente até chegar a uma visão nova (autopoiese). 302


O homem é um ser pensante, mas as suas grandes obras se realizam quando ele não calcula nem pensa. 310 a arte cavalheiresca do arqueiro zen.


Rizoma do ócio – inação – imobilidade 317


No exército de veranistas pode-se distinguir duas fileiras. A que dá mais na vista se caracteriza pela cultura do consumismo, da ostentação, do culto aos ídolos ou estrelas do mundo do espetáculo: milhões de pessoas que consideram fúnebre tudo o que não seja invasivo, barulhento, cheio de confusão e de pressa. Em massa, obcecada pela mania de ver e ser vista, vai em busca de fast food, megadiscotecas, relacionamentos despersonalizados, viagens hiperorganizadas por agentes de turismo, ou ainda internações em hotéis-fazendas, clubes ou spas, onde cada minuto do dia é programado, em função do consumo, como os setor de uma fábrica é programado em função da produção. […]

A outra fileira, mais exígua e mais sábia, cunha as próprias férias com a cultura do repouso, da leitura e da privacidade: considera um inferno tudo o que não seja silêncio, ordem, calma, beleza e limpeza. Este grupo, culturalmente elitista, procura ambientes amenos, entretenimentos variados e refinados, a possibilidade de resguardar sua privacidade sem sofrer a invasão dos outros, é atenta aos detalhes e busca relacionamentos personalizados. 323-324


Educar para o ócio significa ensinar a escolher um filme, uma peça de teatro, um livro. Ensinar como pode estar bem sozinho, consigo mesmo, significa também levar a pessoa a habituar-se com as atividades domésticas e com a produção autônoma de muitas coisas que até o momento comprávamos prontas. Ensinar o gosto e a alegria das coisas belas. Inculcar a alegria. 325

 


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Arquivos Malucos