Um livro é um mudo que fala, um surdo que responde, um cego que guia, um morto que vive. (Padre Antônio Vieira)

sexta-feira, 13 de outubro de 2023

LYOTARD, Jean François. A condição pós-moderna.

LYOTARD, Jean François. A condição pós-moderna. 7. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 2002. 131 p.


O saber muda de estatuto. p. 3


Parece que a incidência destas informações tecnológicas sobre o saber deva ser considerável. Ele é ou será afetado em suas duas principais funções: a pesquisa e a transmissão de conhecimentos. [...] hoje em dia já se sabe como, normalizando, miniaturizando e comercializando os aparelhos, modificam-se as operações de aquisição, classificação, acesso e exploração dos conhecimentos. [...] a multiplicação de máquinas informacionais afeta [...] a circulação dos conhecimentos, do mesmo modo que o desenvolvimento dos meios de circulação dos homens. 4


Nessa transformação geral, a natureza do saber não permanece intacta. Ele não pode se submeter aos novos canais, e tornar-se operacional, a não ser que o conhecimento possa ser traduzido em quantidades de informação. Pode-se então prever que tudo o que no saber constituído não é traduzível será abandonado, e que a orientação das novas pesquisas se subordinará  à condição de tradutibilidade dos resultados eventuais em linguagem de máquina. Tanto os "produtores" de saber como seus utilizadores devem e deverão ter os meios de traduzir nestas linguagens o que alguns buscam inventar e outros aprender. [...] com a hegemonia da informática, impõe-se uma certa lógica e, por conseguinte, um conjunto de prescrições que versam sobre os enunciados aceitos como "de saber". 4


Pode-se então esperar uma explosiva exteriorização do saber em relação ao sujeito que sabe, em qualquer ponto que este se encontre no processo de conhecimento. O antigo princípio segundo o qual a aquisição do saber é indissociável da formação do espírito, e mesmo da pessoa, cai e cairá cada vez mais em desuso. Esta relação entre fornecedores e usuários do conhecimento e o próprio conhecimento tende [...] a assumir a forma que os produtores e os consumidores de mercadorias têm [...] a forma de valor [...] produzido para ser vendido [...] consumido para ser valorizado numa nova produção: nos dois casos para ser trocado. 4-5


Sob a forma de mercadoria informacional indispensável ao poderio produtivo [...] se batam no futuro para dominar as informações. [...] novo campo para as estratégias industriais e comerciais [...] militares e políticas. 5


A mercantilização do saber não poderá deixar intacto o privilégio que os Estados-nações modernos detinham [...] à produção e à difusão dos conhecimentos. 5


A ideia de que estes dependem do "cérebro" ou do "espírito" da sociedade que é o Estado será suplantada á medida que seja reforçado o princípio inverso, segundo o qual a sociedade não existe e não progride a não ser que as mensagens que nela circulem sejam ricas em informação e fáceis de decodificar. 6

 

A transformação da natureza do saber pode assim ter sobre os poderes públicos estabelecidos um efeito de retorno tal que os obrigue a reconsiderar suas relações de direito e de fato com as grandes empresas e mais genericamente com a sociedade civil. 6


As novas tecnologias, pelo fato de tornarem os dados úteis às decisões (portanto, os meios de controle) 7


Em vez de serem difundidos em virtude de seu valor "formativo" ou de sua importância política [...] os conhecimentos sejam postos em circulação segundo as mesmas redes de moeda, e que a clivagem pertinente a seu respeito deixa de ser saber/ignorância para se tornar como no caso da moeda, "conhecimentos de pagamento/conhecimentos de investimento", ou seja: conhecimentos trocados no quadro de manutenção da vida cotidiana (reconstituição da força de trabalho, "sobrevivência") versus créditos de conhecimentos com vista a otimizar as performances de um programa. 7


Neste caso, tratar-se-ia tanto da transparência como do liberalismo. Este não impede que nos fluxos de dinheiro uns sirvam para decidir, enquanto outros não sejam bons senão para pagar. Imaginam-se paralelamente fluxos de conhecimentos passando pelos mesmos canais e de mesma natureza, mas dos quais alguns serão reservados aos "decisores", enquanto outros servirão para pagar a dívida perpétua de cada um relativa ao vínculo social. 7 

 

Examinando-se o estatuto atual do saber científico [...] parece mais subordinado do que nunca as potências e, correndo até mesmo o risco, com as novas tecnologias, de tornar-se um dos principais elementos de seus conflitos, a questão da dupla legitimação 13


vem evidenciar serem saber e poder as duas faces de uma mesma questão: quem decide o que é saber, e quem sabe o que convém decidir? O problema do saber na idade da informática é mais do que nunca o problema do governo. 14


Se o sujeito social já não é o sujeito do saber científico é porque foi impedido nisto pelos padres e tiranos. O direito à ciência deve ser reconquistado. 58


a própria nação está autorizada a conquistar sua liberdade graças à difusão dos novos saberes na população. 58-59


O sujeito do saber não e o povo, é o espírito especulativo. 61


Esta filosofia deve restituir a unidade dos conhecimentos dispersados em ciências particulares nos laboratórios e nos cursos pré-universitários; ela não pode fazê-lo senão num jogo de linguagem que una ambos os aspectos como  momentos no devir do espírito, portanto, numa narração ou, antes, numa metanarração racional. 61


no dispositivo de desenvolvimento de uma Vida que é ao mesmo tempo Sujeito, que se nota o retorno do saber narrativo. Existe uma 'história' universal do espírito, o espírito é 'vida', e esta 'vida'   é a apresentação e a formulação do que ela mesmo é; ela tem como meio o conhecimento ordenado de todas as suas formas nas ciências empíricas. 61


a ciência pós-moderna torna a teoria de sua própria evolução descontínua, catastrófica, não retificável, paradoxal. Muda o sentido da palavra saber e diz como esta mudança pode se fazer. Produz não o conhecido, mas o desconhecido. E sugere um modelo de legitimação que não é de modo algum o da melhor performance, mas o da diferença compreendida como parologia. 


Medawar dizia que 'ter ideias é o supremo êxito para um cientista', que não existe 'método científico' e que um cientista é em princípio alguém que 'conta histórias', cabendo-lhe simplesmente verificá-las. 108




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