Um livro é um mudo que fala, um surdo que responde, um cego que guia, um morto que vive. (Padre Antônio Vieira)

sexta-feira, 13 de outubro de 2023

GIDDENS, Anthony. Modernidade e identidade

GIDDENS, Anthony. Modernidade e identidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2002. 233 p.

 

As instituições modernas diferem de todas as formas anteriores de ordem social quanto ao seu dinamismo, ao grau em que interferem com hábitos e costumes tradicionais, e a seu impacto global. [...] a modernidade altera radicalmente a natureza da vida social cotidiana e afeta os aspectos mais pessoais de nossa existência. A modernidade deve ser entendida num nível institucional; mas as transformações introduzidas [...] se entrelaçam de maneira direta com a vida individual [...] com o eu. 9

 

A reorganização do tempo e do espaço, somada aos mecanismos de desencaixe, radicaliza e globaliza traços institucionais preestabelecidos pela modernidade; e atua na transformação do conteúdo e da natureza da vida social cotidiana. 10

 

O eu [...] tem que ser construído reflexivamente [...] em meio a uma enigmática diversidade de opções e possibilidades. 11

 

A confiança [...] monta guarda em torno do eu em suas relações com a realidade cotidiana [..] é um meio de interação com os AS que esvaziam a vida cotidiana de seu conteúdo tradicional ao mesmo tempo em que constroem influências globalizantes. A confiança gera aquele 'salto de fé' que o envolvimento prático demanda. 11,

 

[...] a influência de acontecimentos distantes sobre eventos próximos, e sobre as intimidades do eu, se torna cada vez mais comum. 12

 

Quanto mais a tradição perde seu domínio, e quanto mais a vida diária é reconstituída em termos do jogo dialético entre o local e o global [...] os indivíduos são forçados a escolher um estilo de vida a partir de uma diversidade de opções [...] influências padronizadoras. 13

 

A modernidade [...] produz diferença, exclusão e marginalização. Afastando a possiblidade de emancipação, as IM [...] criam mecanismos de supressão, e não de realização, do eu. 13

 

[...] o corpo está se tornando uma questão de escolhas e opções. [...] há conexões [...] entre aspectos pessoais do desenvolvimento corporal e fatores globais. 15


 A segregação da experiência significa que, para muitas pessoas, o contato direto como eventos e situações que ligam a vida individual a questões mais amplas de moralidade e finitude são raras e fugazes. 15

 

Cada um de nós não apenas "tem", mas vive uma biografia reflexivamente organizada  em termos do fluxo de informações sociais e psicológicas sobre possíveis modos de vida. A modernidade é uma ordem pós-tradicional em que a pergunta "como devo viver?" tem tanto que ser respondida em decisões cotidianas sobre como comportar-se, o que vestir e o que comer [...] quanto ser interpretada no desdobrar temporal da auto-identidade. 20-21

 

"modernidade" num sentido muito geral [...] instituições e modos de comportamento. 21


Dizer modernidade é dizer não só organizações, mas organização – o controle regular das relações sociais dentro de instâncias espaciais e temporais indeterminadas. 22

 

O esvaziamento de tempo e espaço não é um desenvolvimento linear; ele opera dialeticamente. Muitas formas de "tempo vivido" são possíveis em situações sociais estruturadas pela separação de tempo e espaço [...] não significa que eles se tornam, por isso, aspectos mutuamente alheios à organização social humana. Ao contrário, ela fornece a própria base para sua recombinação de maneiras de coordenam as atividades sociais sem necessariamente fazer referência às particularidades do lugar. As organizações, e a organização [...] são inconcebíveis sem a reintegração do tempo e do espaço separados [...] precisa das ações de seres humanos fisicamente distantes; o "quando" [...] está diretamente conectado ao "onde", mas não, com em épocas pré-modernas, pela mediação do lugar. 23

 

O processo de esvaziamento do tempo e do espaço é crucial para a segunda principal influência sobre o dinamismo da modernidade: o desencaixe das instituições sociais. 23


O deslocamento das relações sociais dos contextos locais e sua rearticulação através de partes indeterminadas do espaço-tempo [...] é a chave para a imensa aceleração no distanciamento entre tempo e espaço. 24

 

Mecanismos de desencaixe são de dois tipos [...] fichas simbólicas e sistemas especializados [...] sistemas abstratos. Fichas simbólicas são meios de troca que têm um valor padrão [...] intercambiáveis numa pluralidade de contextos. [...] ex. dinheiro [...] põe entre parênteses o tempo (porque é um meio de crédito) e também o espaço (pois o valor padronizado permite transações entre uma infinidade de indivíduos que nunca se encontraram fisicamente). Os sistemas especializados põem entre parênteses o tempo e o espaço dispondo de modos de conhecimento técnico que têm validade independente dos praticantes e dos clientes que fazem uso deles [...] penetram em todos os aspectos da vida social [...] alimentos [...] remédios [...] prédios [...] transporte [...] não se limitam a áreas tecnológicas; estendem-se às próprias relações sociais e às intimidades do eu. 24

 

A confiança põe entre parênteses o conhecimento técnico limitado que a maioria das pessoas possui sobre a informação codificada que afeta rotineiramente suas vidas. 25

 

A transformação do tempo e do espaço, em conjunto com os mecanismos de desencaixe, afasta a vida social da influência de práticas e preceitos pré-estabelecidos. 25

 

Reflexividade [...] suscetibilidade da maioria dos aspectos da atividade social e das relações materiais com a natureza, à revisão intensa à luz de novo conhecimento ou informação. Tal informação e conhecimento não é circunstancial, mas constitutivo das instituições modernas. 25-26

 

Separação do tempo e espaço: a condição para a articulação das relações sociais ao longo de amplos intervalos de espaço-tempo, incluindo sistemas globais.


MD: fichas simbólicas e sistemas especializados (em conjunto = sistemas abstratos). [...] separam a interação das particularidades do lugar.

 

Reflexividade institucional: o uso generalizado de conhecimento sobre as circunstâncias da vida social como elemento constitutivo de sua organização e transformação. 26 – quadro 1, o dinamismo da modernidade  

 

O conceito de globalização é melhor compreendido como expressando aspectos fundamentais do distanciamento entre tempo e espaço. [...] diz respeito à intersecção entre presença e ausência, ao entrelaçamento de eventos e relações sociais "à distância" com contextualidades locais. 27

 

Atuam desqualificando muitos aspectos das atividades cotidianas [...] não é simplesmente um processo em que especialistas técnicos se apropriam do conhecimento cotidiano [...] nem é um processo unidirecional, porque a informação especializada, como parte da reflexividade da modernidade, é de uma forma ou de outra constantemente apropriada pelos leigos. 28

 

Todos os que vivem nas condições da modernidade são afetados por inúmeros sistemas abstratos, e podem na melhor das hipóteses processar apenas um conhecimento superficial de suas técnicas. 28

 

As imagens visuais que a televisão, o cinema e os vídeos apresentam sem dúvida criam texturas de experiência via mídia que não estão disponíveis na palavra impressa [...] efeito colagem. Dado que o evento se tornou quase completamente dominante em relação ao lugar, a apresentação dos meios de comunicação toma a forma de justaposição e histórias e itens que nada têm em comum exceto serem "oportunos" e terem consequências. [...] desaparecimento de narrativas [...] Uma colagem não é, por definição, uma narrativa [...] não representa uma confusão caótica de signos. Antes, as "histórias" separadas que são exibidas lado a lado expressam ordenamentos típicos de consequencialidade de um ambiente espaço-temporal transformado, ao qual a predominância do lugar praticamente se evaporou. Não se somam numa única narrativa, mas dependem de unidades de pensamento e de consciência, as quais de certa forma elas também expressa. 31

 

Uma segunda característica da experiência transmitida pela mídia nos tempos modernos é a intrusão de eventos distantes na consciência cotidiana, que é em boa parte organizada em termos da consciência que se tem deles. Muitos dos eventos relacionados no noticiário, podem ser experimentados pelo indivíduo como exteriores e remotos; mas muitos também se infiltram na atividade diária. A familiaridade gerada pela experiência transmitida pela mídia pode talvez, com frequência, produzir sensações de "inversão da realidade": o objeto ou evento real, quando encontrado, parece ter uma experiência menos concreta que sua representação na mídia. Além disso, muitas experiências que podem ser raras na vida cotidiana [...] são encontrados rotineiramente nas representações midiáticas; o enfrentamento dos fenômenos reais sem i é psicologicamente problemático [...] os meios de comunicação não espelham realidades, mas em parte as formam. 32

 

A alta modernidade é caracterizada pelo ceticismo generalizado juntamente à razão providencial, em conjunto com o reconhecimento de que a ciência e a tecnologia têm dois gumes, criando novos parâmetros de risco e perigo [...] processos de mudança [...] profundos [...] mudança não se adapta nem à expectativa nem ao controle humanos. 32

 

O conhecimento incorporado nas formas modernas de especialização está em princípio disponível para qualquer um, desde que tenha os recursos, tempo e energia para adquiri-lo. 35

 

O eu se torna um projeto reflexivo. 37

 

As rotinas adquiridas, e as formas de domínios associadas a elas, no início da vida, são mais que simples modos de ajuste ao mundo. 45

 

 

 ser ontologicamente seguro é ter, no nível do inconsciente e da consciência prática, "respostas" para questões existenciais fundamentais que toda vida humana de certa maneira coloca. 49


a auto identidade [...] deve ser criado e sustentado rotineiramente nas atividades reflexivas do indivíduo [...] é o eu compreendido reflexivamente pela pessoa em termos de sua biografia. 54


a roupa é um outro tipo de regime [...] meio de exibição simbólica, um modo de dar forma exterior às narrativas da auto-identidade. 62


a autobiografia é uma intervenção corretiva no passado, e não uma mera crônica de eventos passados. 72


não só seguimos estilos de vida [...] somos obrigados a fazê-lo - não temos escolha senão escolher. Um estilo de vida pode ser definido como um conjunto mais ou menos integrado de práticas que um indivíduo abraça, não só porque essas práticas preenchem necessidades utilitárias, mas porque dão forma material a uma narrativa particular da auto identidade. 79 [...] são práticas rotinizadas 80


A aparência [...] vira um elemento central do projeto reflexivo do eu. 96


a intervenção humana no mundo foi tão profunda e abrangente que hoje podemos falar do "fim da natureza" 129


os SA desqualificam [...] todos os setores da vida social que atingem. A desqualificação da vida social cotidiana é um fenômeno alienante e fragmentador no que diz respeito ao eu. 129


A vida surge como um segmento separado do tempo, distanciado do ciclo da vida das gerações. A idéia do "ciclo de vida" [...] não tem muito sentido uma vez que as conexões entre a vida individual e o intercâmbio das gerações foram rompidas. 136

o lugar é inteiramente atravessado pelos mecanismos de desencaixe, que recombinam as atividades locais em relações espaço-temporais de amplitude cada vez maior. 137


Nas condições sociais modernas, grupos familiares sucessivos raramente continuam a viver no mesmo prédio. Em áreas rurais, ou entre uns poucos grupos aristocráticos remanescentes, ainda existem [...] Mas para a massa da população [...] se torna praticamente desconhecido e a noção de "ancestrais", tão importante para as vidas de muitos em situações pré-modernas, se torna difusa e difícil de recuperar. 138


extensão do poder administrativo provocada pela aceleração dos processo de vigilância5. A expansão das capacidades de vigilância é o principal meio de controle da atividade social por meios sociais. A vigilância faz surgirem particulares assimetrias de poder, e consolida em graus variados a dominação de certos grupos ou classes sobre outros. 139-140


De maneira particular sob a forma da codificação da informação ou do conhecimento envolvidos na reprodução do sistema, os mecanismos de vigilância superam os sistemas sociais de seus referentes externos ao mesmo tempo em que permitem sua extensão para setores cada vez mais amplos do espaço-tempo. Vigilância mais reflexividade significa "aplainar as diferenças" de tal forma que o comportamento não integrado num sistema - isto, é, que não faz parte dos mecanismos de reprodução do sistema, torna-se alheio e isolado. 140


podemos perceber um processo de segregação moral em expansão. os principais domínios da vida, inclusives aqueles que superficialmente parecem mais "biológicos" que sociais, passam a sofrer influência do duplo impulso da auto-referencialidade e da reflexividade. As questões existenciais são institucionalmente reprimidas ao mesmo tempo em que são criados novos campos de oportunidades para a atividade social e o desenvolvimento pessoal. A segregação da experiência é em grande parte o resultado planejado de uma cultura em que se supõe que os domínios estético e moral serão dissolvidos pela expansão do conhecimento técnico. 153


A vida social cotidiana é segregada da: loucura [.ç..]criminalidade [...] doença e morte [...] sexualidade [...] natureza. 156


Como as esferas da atividade pública se encolhem, e as cidades viram compostos de ruas em vez de lugares para encontros abertos, o eu é chamado a assumir tarefas que não pode enfrentar com sucesso*25. 158


o narcisismo se refere tanto ao auto-ódio quanto à auto-admiração. [...] uma defesa contra a fúria infantil, uma tentativa de compensá-la com as fantasias onipotentes do eu privilegiado. A personalidade narcisista tem apenas um vago entendimento das necessidades dos outros, e os sentimentos de grandiosidade se batem com sentimentos de vazio e de falta de autenticidade. . Não tendo envolvimento pleno com os outros, o narcisista depende de infusões contínuas de admiração e aprovação para estimularem um sentido incerto de auto-merecimento. 159 (lash, sennet)


O consumo interpela as qualidades alienadas da vida social moderna e se apresenta como a solução: promete as coisas mesmas que o narcisista deseja - charme, beleza e popularidade - através do consumo dos tipos "certos" de bens e serviços. [...] vivemos [...] cercados de espelhos; neles procuramos a aparência de um eu socialmente valorizado, imaculado. 160


A incapacidade de interessar-se seriamente por qualquer coisa que não seja escorar o eu faz da busca da intimidade um empreendimento fútil [...] o narcisista é levado a fazer demandas excessivas aos amantes e amigos; ao mesmo tempo, rejeita o "dar-se" aos outros. 160

 

a dependência dos especialistas torna-se um modo de vida. [...] a personalidade narcisista se origina como uma defesa da dependência infantil. [...] se intensifica como reação aos sentimentos de impotência. 160-161


A apatia em relação ao passado, a renúncia sobre o futuro, e uma determinação de viver um dia de cada vez [...] característica da vida ordinária em circunstâncias dominadas por influências sobre as quais os indivíduos sentem que têm um pouco ou nenhum controle. 161


[...] o narcisismo deve ser visto como uma patologia do corpo entre outras que a vida social moderna tende em parte a provocar. Como deformação da personalidade [...] tem sua origem na incapacidade de alcançar a confiança básica. 165


as transformações do lugar, e a intrusão da distância nas atividades locais, combinada com a centralidade da experiência transmitida pela mídia, mudam radicalmente o que "o mundo" é na realidade [...]. Embora todo mundo viva uma vida local, os mundos fenomênicos da maioria são verdadeiramente globais. 174


dilemas do eu: unificação x fragmentação; impotência x apropriação; autoridade x incerteza; experiência personalizada x mercantilizada 186


em momentos decisivos os indivíduos podem ser forçados a enfrentar considerações que o funcionamento adequado dos sistemas abstratos [...] mantém bem longe da consciência. [...] forçado a repensar aspectos fundamentais de sua existência e de seus projetos futuros. 187

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