Um livro é um mudo que fala, um surdo que responde, um cego que guia, um morto que vive. (Padre Antônio Vieira)

quinta-feira, 12 de outubro de 2023

ELIAS, Norbert. Sobre o tempo

ELIAS, Norbert. Sobre o tempo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. 165 p.

O conceito de tempo, no uso que fazemos dele, situa-se num alto nível de generalização e de síntese, que pressupõe um riquíssimo patrimônio social de saber que concerne aos métodos de mensuração das sequências temporais e às regularidades que elas apresentam. [...] dentre os instrumentos mais antigos de medição do tempo figuravam os movimentos do sol, da lua e das estrelas. Hoje dispomos de uma representação muito mais clara desses movimentos, de suas ligações e regularidades [...] em certas épocas, os homens utilizavam a noção de "sono" quando hoje falamos de "noite", a de "lua" quando falaríamos de "mês", e a de "ceifa" ou "colheita" quando falaríamos de ano [...] a experiência do tempo como um fluxo uniforme e contínuo só se tornou possível através do desenvolvimento social da medição do tempo, pelo estabelecimento progressivo de uma grade relativamente bem integrada de reguladores temporais (relógios, calendários, eras). P. 35-36

Em nossas sociedades altamente industrializadas e urbanizadas, as relações entre a alternância das estações e as divisões do calendário são cada vez mais indiretas e soltas [...] em larga medida, os homens vivem dentro de um mundo de signos que eles mesmos criaram. P. 36

Inúmeras locuções familiares sugerem que o tempo seria um objeto físico. Já o simples fato de evocar a ação de "medir" o tempo parece assemelhá-lo a um objeto físico mensurável. P. 39

Em nossas sociedades, esses ritmos biológicos são regulados e estruturados em função de uma organização social diferenciada, que obriga os homens a se disciplinarem [...] pautando seu relógio fisiológico num relógio social. [...] existem etapas na evolução das sociedades em que os homens não encontram problemas que exijam uma sincronização ativa das ocupações de seu grupo com outras mudanças em andamento no universo. P. 42

Não percebemos com clareza que o ano possui uma função social, uma realidade social, que por certo é ordenada de acordo com uma realidade natural, mas que se distingue dela; vemos nele, simplesmente, um elemento da ordem natural. P. 46-47

Ao sair de um rito de iniciação, ou após a aquisição de uma nova posição social, o homem podia ter a impressão de ser uma outra pessoa, dotada de outro nome, e de ser assim percebido pelos demais. Tanto por ser próprio ponto de vista quanto na percepção de outrem, ele podia tornar-se idêntico a seu pai, metamorfosear-se num animal, ou deter o poder de estar, ao mesmo tempo, em dois lugares diferentes. P. 56

O processo social que é medido [...] só prosseguirá enquanto sua continuidade for preservada e mantida na memória. P. 58

A imagem que os homens têm de si, ou sua experiência de si mesmos [...] não é independente do patrimônio do saber de que eles dispõem, nem tampouco isolável de sua experiência do mundo em geral. Ela é parte integrante de seu universo sócio-simbólico e se modifica junto com ele. P. 58

[...] com o surgimento da realidade humana, uma quinta dimensão [...] vem somar-se às quatro dimensões do espaço e do tempo. Tudo o que se produz ao alcance do homem, tornando-se acessível à experiência e à simbolização humanas já não se deixa determinar com ajuda de quatro coordenadas. P. 66-67

Tempo reificado. P. 69

Os conceitos de espaço e tempo fazem parte dos instrumentos de orientação primordiais de nossa tradição social. Compreender a relação entre eles torna-se mais fácil quando, mais uma vez, substituímos os substantivos pelas atividades correspondentes [...] são símbolos conceituais de tipos específicos de atividades sociais e institucionais. Eles possibilitam uma orientação com referência às posições, ou aos intervalos entre essas posições, ocupadas pelos acontecimentos. P. 80

Espaço refere-se a relações posicionais entre acontecimentos móveis, os quais procuramos determinar mediante a abstração de seus movimentos e mudanças efetivas; o tempo, ao contrário, refere-se a relações posicionais no interior de um continuum evolutivo que procuramos determinar sem abstrair seus movimentos e mudanças contínuos. P. 81-82




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